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Opinião | Questões incendiárias

O alarma ficou soando durante décadas e ninguém ouviu. Será que haverá tempo suficiente para remediar os males que a armadilha da insensatez armou para a humanidade?

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convidado
Por José Renato Nalini

A escritora canadense Margaret Atwood, que se tornou célebre pelo livro “O conto da Aia”, lança agora seu “Questões incendiárias: ensaios de 2004 a 2021. As questões do século 21 são mais do que urgentes. O mundo está em chamas. Fomos nós que ateamos o fogo? Somos capazes de apagar o incêndio?

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Ela chama sua obra de “Ficção especulativa”: “escrevo livros sobre futuros desagradáveis na esperança de que não permitamos que esses futuros virem realidade”. Só que a realidade parece pior do que a ficção. E quem possui radar para detectar a gravidade do cenário é o artista. Principalmente o artista da palavra. Aquele que produz obras escritas. Por isso é que a literatura está repleta de novidades contemplando o aquecimento global e a emergência climática.

Verdade que o negacionismo – ele renasce como Fênix, principalmente nas mentes que rimam ignorância com ganância - costuma rotular a preocupação com o futuro da Terra de catastrofismo, literatura apocalíptica, fundamentalismo ecológico e lançar outros apelidos pouco encomiásticos a quem se detém a alertar o semelhante de que a coisa é muito mais séria do que se poderia pensar.

Mas o pensamento mais afinado com a verdade insiste em propagar a má-nova. Ao contrário dos Evangelhos, o alerta sobre o que acontecerá com a humanidade só pode ser algo melancólico: mostrar o que a insanidade produziu e que atingirá a todos. Inocentes, mas também culpados.

O livro “O Grande Desatino”, do indiano Amitav Ghosh, foi lançado em 2016. Já alertava de que os eventos climáticos de nossa era mostraram que o alto grau de improbabilidade registrado décadas antes, já não existia. Antigamente, dizer que haveria incêndios, chuvas torrenciais e secas, tudo ao mesmo tempo, afligindo diversas partes do planeta, parecia fantasioso ou objeto de ficção científica. Era “como se, na imaginação literária, as mudanças climáticas fossem de alguma forma semelhantes a extraterrestres ou viagens espaciais”. Hoje, a sociedade ocidental assiste, um tanto catatônica, a estes eventos que transformam, radicalmente, o mundo tal como o conhecíamos. Não só transformar, porém livrar o planeta de qualquer espécie de vida. Vegetal, animal e racional.

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O pensamento literário teve de provar que a preocupação climática deve estar presente em todos os ambientes, em todas as culturas, em todas as ideologias. Pois a emergência fatal a todos afeta. Ocorrências como a catástrofe do Rio Grande do Sul, a morte por calor dos peregrinos a Meca, o deslizamento de neve na Suíça, o interminável incêndio do Pantanal, a seca do Amazonas, o ciclone em Cancun, mostram que a tragédia não mora no futuro, mas está no presente de todos nós. E por isso a boa ficção literária ganha força e espaço entre os leitores.

Proféticos, os livros “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos e “Não Verás País Nenhum”, de Ignácio de Loyola Brandão eram considerados ficção científica. Foram escritos por pensadores de sensibilidade extrema, muito acima do comum dos mortais. Anteviram o drama que adviria da maldade continuada exercida pelo bicho-homem sobre seu único habitat.

A eles, seguiram-se livros como “A extinção das abelhas”, de Natalia Borges Polesso e “O Deus das Avencas”, de Daniel Galera. A gaúcha Morgana Kretzmann lança agora “Água Turva”, um livro premonitório e que desenvolve trama policial que tem por cenário o Parque Estadual do Turvo, na divisa entre Rio Grande do Sul com Argentina.

Narra as ameaças que o Parque sofre com queimadas e alagamento de uma hidrelétrica manipulada por políticos corruptos. É o confronto entre mulheres envolvidas com uma comunidade transcendentalmente ligada à floresta, aos animais e aos saberes de seu povo, e a decadência da política brasileira. Um livro que dialoga diretamente com as experiências sociais e políticas do Brasil, a serviço da tomada de consciência enquanto é tempo.

As questões ambientais se impuseram e já não se pode dizer que “ambientalismo não se vende”. Daí o sucesso de livros de Ailton Krenak, tais como “Ideias para Adiar o Fim do Mundo” e “A Vida não é útil”.

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Assim como foi precursor o livro “A Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson, é importante que estas obras citadas sejam lidas ou relidas. O alarma ficou soando durante décadas e ninguém ouviu. Será que haverá tempo suficiente para remediar os males que a armadilha da insensatez armou para a humanidade?

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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