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Opinião|Quinze mil leis e muita Justiça

O Brasil é um dos países em que o fetiche da lei impregnou a coletividade. Há lei para tudo. Sobram leis. A peculiaridade tupiniquim é que “há leis que pegam e leis que não pegam”...

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convidado
Por José Renato Nalini

Na formatação ideal de Montesquieu, ao separar as funções do Estado, o Parlamento era o mais importante. Afinal, definiria as regras do jogo. No Estado de direito, cabe ao Executivo administrar. E administrar não é, senão, aplicar a lei. O governo pode fazer tudo o que a lei manda ou não proíbe. Enquanto ao Judiciário incumbe fazer incidir a vontade concreta da lei sobre as controvérsias.

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O Brasil é um dos países em que o fetiche da lei impregnou a coletividade. Há lei para tudo. Sobram leis. A peculiaridade tupiniquim é que “há leis que pegam e leis que não pegam”...

Foi promulgada em 16 de outubro de 2024 a lei federal de número 15000. São quinze mil diplomas legais, o que fazem da República no topo do ranking de Faculdades de Direito – está comprovado que o Brasil possui, sozinho, mais do que a soma de todas as outras Faculdades de Direito espalhadas pelo restante do planeta – também campeã em quantidade de normas editadas pelo Legislativo.

Está-se falando apenas de leis federais, editadas pelo Parlamento da União, Câmara Federal e Senado. Pense-se que o país possui vinte e seis estados e o distrito federal, mais cinco mil, quinhentos e setenta municípios, também entidades federais.

Todas essas exteriorizações do Poder têm o seu Parlamento a legislar. Há questões bem ambíguas, para se manter no eufemismo. O município é de certa forma emasculado por uma excessiva concentração de competências na União Federal. Por isso é que os vereadores têm limitada capacidade de cuidar do interesse da cidade, pois – segundo um anacrônico entendimento – “invadem a esfera federal”.

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O número de normas municipais declaradas inconstitucionais é imenso. Afinal, parece que vereador só pode homenagear pessoas concedendo títulos honoríficos, com destaque para a “Cidadania Honorária” e instituir “dias comemorativos”.

Não é muito diferente nos âmbitos estadual e federal. A Lei número quinze mil declara Anísio Teixeira o Patrono da Escola Pública Brasileira. Justa homenagem. O educador nasceu em Caetité, na Bahia, formou-se bacharel em Direito na Universidade do Rio de Janeiro – UFRJ em 1922. Tornou-se Secretário de Educação do Rio em 1931 e, em 1932, integrou o grupo de docentes responsáveis pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, a propor reforma estrutural do sistema escolar brasileiro. A tônica era a democratização do ensino.

Mercê de suas obras, Anísio Teixeira foi nomeado Conselheiro da ONU para a Educação, Ciência e Cultura – Unesco, em 1946 e, cinco anos depois, já no Brasil tornou-se Secretário-Geral da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Também foi responsável pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, hoje chamado INEP Anísio Teixeira.

Participou da criação de duas Universidades: a do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, em 1935 e a Universidade de Brasília em 1962, da qual foi Reitor entre 1963 e 1964. Faleceu aos setenta anos, em 1971.

Gosto dessa ideia de Patronato. Quando Secretário da Educação do Governador Geraldo Alckmin, procurei atribuir denominação a todos os estabelecimentos de ensino ainda desprovidos de nome, que procurei reservar para educadores em sentido lato. Antes disso, na Presidência do Tribunal de Justiça, atribuí denominação a todos os Fóruns das mais de trezentas e trinta comarcas bandeirantes. E tentei fazer com que o “Dia do Patrono” fosse de fato comemorado, fosse nas escolas, fosse nos Fóruns.

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É o mínimo que se pode fazer para não jogar ao ostracismo figuras exponenciais que nos antecederam e aplainaram o caminho que hoje percorremos, sem que eles estejam continuamente em nossa lembrança. Há uma parcela da juventude contemporânea que parece acreditar que o mundo começou com o nascimento deles. Excessivo individualismo, narcisismo, egoísmo e ultrapassada soberba, orgulho, prepotência.

Em virtude do exacerbado amor próprio foi que nos esquecemos do amor partilhado, que deveria ser repartido com os semelhantes, com o ambiente, com a natureza. Nossa crueldade nos arremessou numa crise sem precedentes, com certeza a mais séria já enfrentada pela humanidade insana, insensata e insensível.

Já estamos pagando um preço bem considerável. Tivéssemos obedecido às recomendações de Anísio Teixeira e talvez ainda pudéssemos pensar em retorno ao status quo ante. Agora, lamentavelmente, penso que não dá mais.

Convidado deste artigo

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José Renato Nalinisaiba mais

José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Werther Santana/Estadão
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