Os militares envolvidos na trama golpista descoberta pela Polícia Federal no celular do tenente-coronel Mauro Cid tentaram manter o plano em absoluto sigilo.
As conversas mostram preocupação com a possibilidade de um grampo telefônico. Também revelam que os envolvidos tiveram cuidado em ocultar a assinatura do responsável pelo roteiro elaborado para justificar a decretação de estado sítio pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
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“O autor da fotografia utiliza, aparentemente, uma das folhas impressas (Imagem 2) para cobrir o local que supostamente revelaria a identificação do autor do texto”, afirma a Polícia Federal. Os investigadores ainda não cravaram quem seria o autor do rascunho. Bolsonaro nega ter participado de conversas golpistas (leia abaixo a íntegra da nota divulgada pela defesa do ex-presidente).
O coronel Jean Lawand Junior, um dos apoiadores mais ferrenhos do golpe, trocou diversas mensagens com Mauro Cid após a derrota de Bolsonaro nas eleições. Ele havia sido escalado para o posto de adjunto do adido militar em Washington, nos Estados Unidos, mas a indicação foi barrada pelo Exército após as conversas virem a público.
Em um diálogos, Lawand demonstra apreensão com uma possível interceptação telefônica: “Meu irmão, me dá um telefone depois de uma hora que eu posso falar contigo. Fora do trabalho, sem este telefone. Deve estar grampeado.”
Lawand tenta uma série de ligações para Mauro Cid no WhatsApp depois que o então ajudante de ordens da presidência confirma que o aplicativo seria um meio de comunicação seguro. “Aqui é seguro”, garante Cid.
As mensagens fazem parte de um relatório enviado pela Diretoria de Inteligência da Polícia Federal ao STF. Os peritos analisaram mensagens de WhatsApp, áudios, documentos e backups.
Ex-ajudante de ordens da Presidência, Mauro Cid virou braço-direito de Bolsonaro no governo. Ele e Lawand conversaram abertamente sobre um golpe durante semanas.
O coronel chega a sugerir que o então presidente precisava ‘dar a ordem’ para que as Forças Armadas agissem. “Ele tem que dar a ordem, irmão. Não tem como não ser cumprida”, escreveu.
Em outra mensagem, Lawand afirma que Bolsonaro ‘não tem nada a perder’. “Ele não pode recuar agora”, encoraja, ao que Mauro Cid responde: “Ele não confia no ACE (Alto-Comando do Exército)”.
A pressão para que o ajudante de ordens convencesse o então presidente a incitar os militares aumenta. Lawand assegura que ‘se a cúpula do EB (Exército Brasileiro) não está com ele (Bolsonaro), a divisão para baixo está'.
Decreto
Um dos documentos mais contundentes encontrados no celular de Mauro Cid mostra um passo a passo para Bolsonaro acionar as Forças Armadas e promover uma intervenção militar contra supostos desvios do Poder Judiciário, especialmente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acusado de violar a ‘moralidade institucional’.
“A legalidade nem sempre é suficiente: por vezes a norma jurídica ou a decisão judicial são legais, mas ilegítimas por se revelarem injustas na prática”, diz um trecho do rascunho de decreto.
A minuta cita exemplos do que seria uma ‘desvirtuação’ do TSE e do Supremo Tribunal Federal. Um deles é a decisão do ministro Alexandre de Moraes que negou um pedido da campanha de Bolsonaro para investigar supostas irregularidades na propaganda eleitoral em rádios do Norte e do Nordeste. Na época, Moraes afirmou que as acusações do ex-presidente foram ‘extremamente genéricas e sem qualquer comprovação’ e que Bolsonaro tentou ‘tumultuar’ o segundo turno.
O rascunho reproduz ainda questionamentos de militares sobre o sistema de votação. O texto afirma que o TSE teria limitado a transparência do processo eleitoral e impedido acesso ao código-fonte das urnas, o que não é verdade.
Os argumentos são usados para fundamentar a declaração de estado de sítio e de Garanta da Lei e da Ordem (GLO). O objetivo, afirma o documento, seria ‘assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas’.
COM A PALAVRA, A DEFESA DO EX-PRESIDENTE JAIR BOLSONARO
“O presidente Bolsonaro jamais participou de qualquer conversa sobre um suposto golpe de Estado.
Registramos, ainda, que o ajudante de ordens, pela função exercida, recebia todas as demandas - pedidos de agendamento, recados etc - que deveriam chegar ao presidente da República. O celular dele, portanto, por diversas ocasiões se transformou numa simples caixa de correspondência que registrava as mais diversas lamentações.”
Paulo Amador da Cunha Bueno, Daniel Bettamio Tesser e Fábio Wajngarten, advogados do ex-presidente
COM A PALAVRA, A DEFESA DE MAURO CID
“Por respeito ao Supremo Tribunal Federal, todas as manifestações defensivas serão feitas apenas nos autos do processo.”
Bernardo Fenelon e Bruno Buonicore, advogados de Mauro Cid
COM A PALAVRA, O CORONEL LAWAND
A reportagem busca contato com o coronel Jean Lawand Junior. O espaço está aberto para manifestação (rayssa.motta@estadao.com).
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