O novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Emmanoel Pereira, determinou, no dia 24/2, a realização de estudo sobre os efeitos da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) na Justiça do Trabalho, o qual deverá ser concluído em até 30 dias. O objetivo da análise, dentre outros, é a obtenção de dados estatísticos para orientar a formulação e a execução das políticas públicas do órgão.
Além disso, o estudo visa atender aos "Objetivos de Desenvolvimento Sustentável" da "Agenda 2030", da Organização das Nações Unidas (ONU), conforme determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Dentre os propósitos da Agenda, cita-se a necessidade de fortalecimento das instituições públicas no combate à corrupção, aumento de acesso à informação, transparência e eficácia no acesso à justiça.
Lula, por sua vez, voltou a criticar a Reforma Trabalhista em entrevista concedida à Rádio Passos FM, no dia 22/2. De acordo com o ex-presidente, "o que eles fizeram foi destruir direitos dos trabalhadores, trabalhador que trabalha em aplicativo não tem direito a nada, não tem direito a descanso semanal remunerado, não tem direito a férias, não tem direito a 13º, sabe?".
Mesmo sem fazer qualquer juízo de valor sobre as intenções do ex-presidente, deve-se considerar que não foi objeto da Reforma Trabalhista a situação do profissional "que trabalha em aplicativo" nos termos indicados na entrevista. Da mesma forma, não há disposições no texto legislativo que prevejam a existência de relações de emprego sem "direito a nada". Isso porque, a Reforma Trabalhista não alterou as normas da CLT acerca do conceito de "empregado", o qual não abarca a situação dos trabalhadores referidos pelo Lula. No aspecto, contrário às afirmações do ex-presidente, a Reforma Trabalhista não criou previsões acerca das atividades prestadas, muito menos tratou sobre a restrição de direitos, deveres ou benefícios relacionados aos trabalhadores de aplicativos.
Ocorre que a grande maioria das atividades prestadas através de aplicativos não contempla os requisitos previstos pela CLT para configuração de relação de emprego, que exige, concomitantemente, que o trabalho seja prestado por pessoa física, de forma não eventual, subordinada, onerosa e com pessoalidade. Nesse sentido, nos dois casos cujo mérito já foi julgado pelo TST, verificou-se que a autonomia destes trabalhadores em definir, como e quando trabalharão, demonstra a inexistência de subordinação. Além disso, foi constatado que a remuneração recebida pelos motoristas, equivalente a cerca de 75% a 80% do valor pago pelo usuário, representa um percentual muito superior ao que a Corte admite como vantagem remuneratória condizente às relações de emprego.
No cenário atual, diante da ausência de previsões normativas acerca dessas formas de trabalho, que não se enquadram na relação de emprego prevista pela CLT, de 1943, essas relações vêm se autorregulando entre as partes. Não se tratando de vínculo empregatício, essas atividades funcionam com menos custos, encargos, burocracia e respeitam a liberdade das partes, sendo que muitos destes profissionais se opõem à formalização do emprego, priorizando a possibilidade de atuarem com autonomia e flexibilidade.
De todo modo, uma regulamentação mínima de tais atividades, que respeite as suas características fundamentais, como a liberdade e a flexibilidade, mas preveja algumas garantias sociais aos trabalhadores, trará maior segurança jurídica aos envolvidos. Neste sentido, já há diversos Projetos de Lei em trâmite no Senado, os quais não se relacionam com a Reforma Trabalhista.
Portanto, a Reforma Trabalhista não concedeu ou retirou direito dos trabalhadores de aplicativos conforme mencionado pelo ex-presidente. Tanto é assim, que o início da vigência da Reforma ocorreu em 2017 e os motoristas da Uber, que iniciou as operações no Brasil em 2014, não sofreram alterações na relação com a plataforma em decorrência da mudança legislativa de 2017. Embora faça sentido a preocupação social com esses profissionais, o que é pauta de muitos candidatos, legisladores e governantes, inclusive, é juridicamente equivocado atrelar a ausência normativa à Reforma Trabalhista.
*Lucas Garcia Martins, sócio das áreas de Startup Hub e Trabalhista do Souto Correa Advogados, especialista em Direito Empresarial pelo Insper e associado do IFL-SP
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