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Opinião|Reforma tributária: hora de ajustar o foco

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convidado
Por Francisco Gaiga
Francisco Gaiga. Foto: Divulgação

A entrega do relatório sobre a reforma tributária elaborado por um grupo de trabalho da Câmara e a previsão de votação da proposta no plenário lançaram o debate a um novo patamar. Nas duas últimas duas décadas, período em que as mudanças são avaliadas sem avançar, nunca o país esteve tão próximo de mudar o caótico sistema tributário. É hora, porém, de ajustar o foco para evitar repetir erros: a reforma visa simplificar o processo arrecadatório e estimular a economia. Nos últimos dias, o centro das discussões tem sido disputas entre municípios, Estados e União.

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O grupo de trabalho foi certeiro no seu diagnóstico. "A tributação sobre o consumo no Brasil é complexa, disfuncional, ineficiente, desequilibrada e injusta", conclui o relatório. Não é por acaso que o cipoal tributário seja um dos principais componentes do Custo Brasil, indicador que avalia os entraves que oneram o ambiente de negócios. A última atualização do cálculo, divulgada em maio pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC) e pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), aponta para R$ 1,7 trilhão, o que equivale a 19,5% do Produto Interno Bruto (PIB). O Custo Brasil prejudica as empresas e os consumidores.

Por isso, é preciso saudar medidas como a redução no número de impostos sobre produtos e serviços comprados pela população. Segundo o texto, cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) serão substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a cargo da União, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), gerido por Estados e municípios. Haverá ainda um imposto seletivo, espécie de sobretaxa que só vai recair apenas sobre bens e atividades que prejudiquem a saúde ou o ambiente. As alíquotas serão fixadas (a padrão e, para bens e serviços específicos, uma reduzida em 50% e uma zero), e serão beneficiadas as áreas de transporte público, serviços de saúde e educação, medicamentos, produtos agropecuários, cesta básica, atividades artísticas e culturais.

O IBS, segundo o relatório, "alcançará todos os bens e serviços que existem ou que venham a existir, independentemente se classificados como bens materiais ou imateriais, serviços, ou direitos sobre eles existentes". Na prática, isso vai acabar com a atual incerteza classificatória que mergulha empresas em disputas a respeito de qual imposto devem recolher, ISS ou ICMS.

Da mesma forma, o cálculo do tributo será mais simples, "por fora". Isso significa que será apurado apenas sobre o preço do produto, sem que o imposto incida sobre ele mesmo. Outra novidade é a cobrança no destino, medida que vai frear a guerra fiscal e concentrar o recolhimento no local do consumo, afastando o modelo atual que recolhe de forma fatiada e encarece os produtos.

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Esse rol de simplificações tende a tornar o sistema mais eficiente e transparente, reduzindo custos e a insegurança jurídica para o setor produtivo. Por consequência, aumenta a capacidade e o ímpeto de investimento, a necessidade de contratar mão de obra e a competitividade das empresas, destravando o crescimento econômico e social do país.

Há, ainda, necessidade de se buscar contemplar demandas do setor de serviços, que avalia ser prejudicado com a atual formatação da reforma. Mas, diante da possibilidade histórica de desatar esse nó, não se pode perder o foco. No momento, a discussão está centrada na disputa de poder entre esferas da administração pública. A queda de braço envolve a criação do Fundo de Desenvolvimento Regional (com recursos federais, para financiar projetos em Estados mais pobres e compensar o fim da guerra fiscal), do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais (verba federal para bancar vantagens já concedidas por Estados até 2032) e do Conselho Federativo (colegiado composto por Estados e municípios para gestão compartilhada do IBS).

São aspectos de fato importantes, mas não podem servir para desvirtuar ou derrubar a proposta. Os interesses regionais também não podem servir para, no fim das contas, embutir aumento de carga tributária dentro da reforma. Os representantes de Estados, municípios e União precisam entender que devem olhar a longo prazo e lembrar que, anos atrás, divergências do tipo emperraram as mudanças. Não há dúvida de que, dando certo, a reforma vai impulsionar a economia e, por consequência natural, gerar reforço no caixa do poder público.

*Francisco Gaiga, advogado tributarista

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