A pesquisa A Cara da Democracia, que foi divulgada no início desta semana, revela que o que mais tira o sono dos brasileiros em 2023 é o desemprego e a corrupção, temas citados por 17% e 16% dos entrevistados, respectivamente.
Foi realizada com 2.558 entrevistas presenciais de eleitores em 167 cidades, de todas as regiões do país, entre 22 e 29 de agosto. Financiamento do CNPq e Fapemig e foi feita pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT), reunindo pesquisadores das universidades UFMG, Unicamp, UnB e Uerj. A margem de erro é estimada em dois pontos percentuais para mais ou menos e o índice de confiança é de 95%.
A partir de 2011, o tema da corrupção começou a surgir em levantamentos e relatórios como preponderante dentre aqueles que angustiavam os brasileiros, não obstante as dificuldades de conhecimento acerca dos caminhos em relação à concretização das denúncias propriamente ditas, o que foi observado pelo Instituto Não Aceito Corrupção em outra pesquisa realizada no ano passado.
Retomando as conclusões de A Cara da Democracia, na média nacional, 30% acreditam que aumentou a corrupção no atual governo, contra 40% dizendo que não houve mudança nesse sentido, o que não significa que não houvesse antes. Já havia para esses 40%, mas não aumentou, e para 30% além do que já havia, houve aumento.
Este cenário se mostra grave diante de evidências graves no sentido de vivermos um quadro de Poder Executivo e Poder Legislativo a nível Federal unidos de um modo geral para que a agenda anticorrupção não evolua, muito pelo contrário.
Nos últimos anos foram vários os retrocessos graves, como a aprovação da lei 14230/21, que enfraqueceu fortemente a lei de improbidade. A lei da ficha limpa foi desbotada e agora se caminha para aprovar a maior anistia da história aos partidos (PEC 9/23), a minirreforma eleitoral além de se pretender eliminar a figura das quarentenas da lei das estatais. São apenas alguns dos muitos exemplos.
As demandas caras à sociedade como o fim do foro privilegiado, a prisão após condenação em segundo grau, as candidaturas independentes, a reforma política, entre outras, são solenemente desconsideradas, mesmo diante das conclusões da pesquisa, que sinaliza o quanto é relevante para a sociedade o enfrentamento à corrupção, requisito, aliás, para a obtenção de assento na OCDE, que o Brasil postula.
Ontem a imprensa noticiou a criação de uma pomposa “Frente Parlamentar Mista de Combate à Corrupção” destacando-se os nomes dos Deputados Coronel Meira (PL/PE), Ramagem (PL/RJ) e Carla Zambelli (PL/SP). A questão que de plano se coloca é: a novíssima frente, diante da angústia detectada pela pesquisa, que não é propriamente novidade, vai se posicionar contra a PEC 9/23 que propõe anistia aos partidos – a maior da história, enfraquecendo a fiscalização e gerando corrupção? Vai se opor à minirreforma eleitoral que pretende livrar de cassação parlamentares envolvidos em compra de votos?
Outro aspecto de extrema importância abordado pela pesquisa diz respeito à medição da evolução de nossa democracia, especialmente após o processo de deslegitimação das urnas eletrônicas durante as últimas eleições e os episódios de 8 de janeiro, em que os prédios-sede dos três poderes Palácio do Planalto, STF, Câmara e Senado foram simultaneamente atacados, mais de quarenta jornalistas espancados, além da subtração e destruição de bens do patrimônio público.
Para metade dos brasileiros (50%) considera-se que seria aceitável e justificado os militares tomarem o poder por meio de um golpe de estado caso o país se veja “diante de muita corrupção”, contra 45% que pensam o contrário. Ou seja, os valores inerentes ao Estado Democrático de Direito não são rochas sólidas, mais parecendo verdadeiras gelatinas, o que parece simplesmente abominável.
Há sinalização clara de que há problemas com o funcionamento da democracia no Brasil. O grau de insatisfação com a democracia é muito alto e deriva de várias questões que estão associadas e dão dimensões de um comportamento lamentavelmente favorável ao autoritarismo.
Há desafios muito grandes a enfrentar, e negar isso é tentar tapar o sol com a peneira. Não se pode ignorar que, de fato existem problemas com a nossa democracia e os acontecimentos pós-eleições deixaram claro o grau de radicalismo que isso pode atingir no Brasil — analisa o professor Lucio Rennó, da UNB.
Os elementos andam juntos, a imaturidade democrática e o nível de descontrole da corrupção. À medida que a democracia se estabiliza e solidifica, funcionando de forma melhor, a governança do país evolui, as políticas públicas se tornam mais eficientes, a desigualdade social tende a ser minimizada e consequentemente o controle da corrupção melhora, o que evidencia a importância de uma verdadeira, profunda e efetiva reforma política, que parta sempre da premissa do governo aberto e da transparência, para o aprimoramento da qualidade da democracia e consequentemente do próprio controle da corrupção.
*Roberto Livianu, procurador de Justiça, vice-presidente do MPD, doutor em Direito pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas e colunista do Estadão
Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica
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