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Opinião|Refugiados climáticos vêm aí

A tragédia foi anunciada e, ao que tudo indica, não comove os corações empedernidos. Os negacionistas continuam a afirmar que não há aquecimento global. Parece que o negacionismo é doença crônica e incurável. Mas as evidências estão aí. Os riscos de catástrofe climática se intensificam

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convidado
Por José Renato Nalini

A expressão “refugiados climáticos” se impõe, ainda que não tenha sido ainda formalmente sufragada pela ONU. É que se algo ganha nome, é porque existe. E são muitos os que têm de sair de seu lugar por causa dos fenômenos extremos causados pelo aquecimento global.

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Nós nos lembramos dos “retirantes” nordestinos, que fugiam à seca. Eternizados em obra de Portinari, para incitar nossos remorsos e fazer com que todos os brasileiros levassem a questão saariana em nosso território mais a sério. Mais recentemente, os gaúchos foram obrigados a deixar suas cidades e procurar outras plagas. O jornalista Vinicius Torres Freire escreveu “Os retirantes das enchentes”, lembrando os nordestinos, mas agora focando o Rio Grande do Sul. Poderia parecer estranho pensar em “retirantes das cheias”, mas há gaúchos que pensam em deixar de vez suas terras, dois anos seguidos atormentadas por chuvas em excesso.

Pode ser que haja piora na situação climática. Os cientistas têm certeza de que isso acontecerá. Daí a pergunta de Vinicius: “quando haverá um êxodo de verdade? Pode não ser no Sul. Espalhamos desastre pelo país. Queimamos o abrigo da maior fonte d’água, a Amazônia, assoreamos os rios no Centro-Oeste por causa da ocupação desordenada do cerrado, fazemos o São Francisco minguar, cidades do tamanho de São Paulo e Fortaleza ficaram à beira de não ter o que beber na década passada”.

Sim, a crise hídrica de 2013-2015 foi séria. Mas a que virá será muito mais grave. É que a Guarapiranga vê fenecer suas nascentes, mercê da destruição dos fragmentos de Mata Atlântica e da intensificação de uma ocupação irregular, clandestina, criminosa. Aquilo é área de preservação permanente. De sua manutenção íntegra, de acordo como a natureza nô-la ofereceu, depende a sobrevivência de metade da população paulistana. Para piorar, os afluentes que despejam suas águas na Guarapiranga carregam também o esgoto in-natura, os dejetos químicos e a imundície que uma gente inconsciente arremessa nos córregos.

O Instituto de Engenharia alertou que o nível de contaminação da Guarapiranga aumenta a cada dia. Com isso, o tratamento da água para que ela possa recordar aquilo que aprendemos no ensino fundamental (era curso primário, no meu tempo) – líquido incolor, inodoro e insípido – precisa de quantidade maior de substâncias químicas. Sem dizer que nosso sistema de tratamento não consegue eliminar aquilo que resta dos antibióticos, anticoagulantes, antidepressivos, anticoncepcionais e anti tudo que a indústria de medicamentos dissemina e torna uma legião de dependentes. Microplásticos também já têm sido encontrados no adensamento das artérias, a evidenciar que tomamos o caminho do envenenamento coletivo, para abreviar o término da aventura humana sobre o planeta.

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Os cientistas se cansaram de avisar. Tanto que estão deprimidos, exauridos e desesperados. Ninguém ouviu as advertências da ciência. A ciência, ora, a ciência! O que ela significa para a política profissional e para a desenfreada busca do dinheiro?

A tragédia foi anunciada e, ao que tudo indica, não comove os corações empedernidos. Os negacionistas continuam a afirmar que não há aquecimento global. Parece que o negacionismo é doença crônica e incurável. Mas as evidências estão aí. Os riscos de catástrofe climática se intensificam. Inequívoco o recado baseado em profundos estudos científicos: a emissão de carbono decorrente da atividade econômica é a causa do aquecimento global. Este multiplica a frequência de eventos catastróficos.

Aquele que se preocupam apenas com dinheiro deveriam pensar o que significa o custo da reconstrução do Rio Grande do Sul. Para eles, pouco importa que a tragédia tenha destruído vidas. Interessa é o cálculo dos prejuízos. A renda cai e essa queda permanece por muitos anos. Como observa Marcos Lisboa, “pior, a catástrofe aumenta a chance de um outro evento grave nos anos seguintes. Tragicamente os desastres tendem a se comportar como matilhas: a ocorrência do primeiro significa maior probabilidade de ocorrência de outros nos anos seguintes”.

Por isso, a figura dos refugiados climáticos vai se tornar mais frequente e assídua em nossa vida. Assusta pensar no canibalismo que a falta d’água fará surgir em todos os lugares. Inclusive aqui, no país do “brasileiro cordial”.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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