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Opinião | Regulação do setor aéreo: mais um caso de ‘viés regulatório’ sem avaliação de impacto

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Por Luciano Timm* e Marcelo Justus*
Atualização:

O CONAC baixou a Resolução CONAC-MPOR n. 01 de 10/08/23, restringindo o raio de alcance do Aeroporto do Rio de Janeiro – Santos Dumont (“SDU”) para voos de até 400km de seu destino ou origem. Tal ato administrativo foi desprovido de Análise de Impacto Regulatório (AIR) e de discussão prévia adequada com a sociedade civil, sendo absolutamente equivocada a autoproclamada desnecessidade de sua implementação. Até porque a marota justificativa não é suficiente para que referido ato administrativo escape do escrutínio do art. 20 da LINDB e, portanto, da necessidade da ponderação pragmática sobre os efeitos da decisão administrativa em tela (para o que uma adequada AIR contribuiria bastante).

Luciano Benetti Timm Foto: Inac/Divulgação

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A intervenção do governo federal na restrição do raio de alcance do aeroporto SDU, com consequente redistribuição de voos deste aeroporto para outros pode ter fortes impactos negativos nos aeroportos direta e indiretamente atingidos pela mudança regulatória. Com a intervenção regulatória prevista na Resolução em questão, e considerando-se a proximidade geográfica dos aeroportos no Rio de Janeiro, o Aeroporto Internacional Antonio Carlos Jobim – também conhecido como Aeroporto do Galeão (“GIG”) – será imediatamente impactado. Portanto, o trade off entre os aeroportos SDU e GIG deve ser considerado pelo governo federal na demonstração dos custos e benefícios do viés regulatório. Essa intervenção na redistribuição de voos de SDU para o GIG é um caso concreto de regulamentação que pode ter impactos significativos nos aeroportos do país e na indústria da aviação em geral. O caso concreto em análise é um viés regulatório que poderá causar muitos impactos por privilegiar um aeroporto e prejudicar outro (ou outros em conexão).

Por “viés regulatório” refere-se à situação na qual regulamentações são aplicadas privilegiando um grupo, setor ou interesse particular em detrimento de outro (ou outros). Esse viés pode causar desigualdade de oportunidades e na distribuição de recursos ou resultados, criando vantagens ou desvantagens para diferentes partes afetadas pelas medidas regulatórias. O viés regulatório em questão pode ser consequência de uma variedade de razões, tais como influência política, interesses econômicos, pressões de grupos de lobby ou simplesmente pela ausência da consideração de igualdade de importância das diversas partes envolvidas. O presumido viés poderá afetar de forma positiva ou negativa diversos aspectos da sociedade, da economia e da qualidade dos serviços prestados aos consumidores.

No caso concreto em análise – da redistribuição de voos entre aeroportos – tende a beneficiar o GIG e prejudicar o SDU (e outros aeroportos em conexão). Isso prejudicará a concorrência justa e afetará o desenvolvimento equitativo do setor. Nesse cenário, de presumido viés na intervenção, é imprescindível evitá-lo para garantir que as políticas regulatórias no setor aéreo brasileiro sejam equitativas, eficazes e benéficas para toda a sociedade.

Há importantes aspectos relacionados aos potenciais impactos micro e macroeconômicos que devem ser considerados na decisão de implementar ou não implementar a medida regulatória prevista no ato regulatório, os quais podem ser sumarizados em quatro grandes grupos: 1. Congestionamento, capacidade e eficiência operacional dos aeroportos; 2. Acessibilidade para os passageiros e impacto sobre o seu bem-estar; 3. impactos na concorrência entre os dois aeroportos e companhias aéreas que operam nestes aeroportos, infraestrutura existente e necessidade de novos investimentos, impactos nas rotas aéreas e a eventual sobrecarga na infraestrutura; 4. Impactos econômicos local e regional imediatos e impactos de longo prazo.

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No tocante ao primeiro ponto, deve-se considerar o impacto do aumento na quantidade de voos e passageiros no aeroporto GIG. O aumento poderá levar a um congestionamento maior nas pistas, terminais e pátios, afetando a capacidade operacional deste aeroporto. É preciso dimensionar precisamente a sua real capacidade ociosa.

No que se refere ao segundo ponto, o regulador deve considerar como a redistribuição de voos entre os dois aeroportos com forte viés para o GIG afetará a facilidade de acesso para os passageiros em embarques e desembarques. A intervenção regulatória deve ponderar fatores como a localização dos aeroportos, a disponibilidade de transporte público e a conveniência de viajar de ou para cada um dos aeroportos envolvidos na redistribuição de voos. Os impactos da mudança de voos sobre o bem-estar dos passageiros devem ser considerados.

No que diz respeito ao terceiro ponto, é fundamental que o viés regulatório considere como as companhias aéreas serão afetadas pela redistribuição de voos. Deve-se pesar, na decisão de intervir ou não intervir, os ajustes necessários nas operações das companhias, a alocação de recursos e a competição entre elas pelos slots nos aeroportos impactados pelo viés regulatório. É imprescindível que seja estimado com base em dados confiáveis e métodos robustos como esse viés regulatório favorecendo o GIG afetará a estrutura de concorrência entre os aeroportos impactados e companhias que neles operam. Há elevado potencial de graves distorções na competição tanto entre aeroportos quanto entre companhias aéreas.

No tocante ao quarto e último ponto, o viés regulatório deve considerar como a mudança de voos afetará a economia local ao redor dos dois aeroportos que serão diretamente impactados pela medida intervencionista pretendida. A medida tem elevado potencial de afetar significativamente as atividades de turismo, de comércio e os níveis de empregos diretos e indiretos tanto nos aeroportos quanto nas regiões do seu perímetro de influência econômica e social. Ressalte-se, ainda, os impactos em outros setores relacionados, como o de prestação de serviços às companhias, as outras empresas e aos passageiros (transporte por aplicativo, hotéis etc).

Em suma, a exigência legal e a importância de se medir e discutir os possíveis efeitos da mudança de voos entre os aeroportos em questão é indiscutível. Portanto, é requerido e imprescindível mensurar os potenciais efeitos econômicos, sociais e ambientais para prever o impacto total do viés regulatório em favor do aeroporto GIG.

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*Luciano Timm é sócio de CMT Advogados e professor da Escola de Direito da FGVSP

*Marcelo Justus é professor associado do Instituto de Economia da Unicamp

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção. Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica

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