A regularização fundiária é um tema central para o desenvolvimento do Brasil. Trata-se, essencialmente, de ajustar a realidade prática à formalidade jurídica. Afinal, como harmonizar direitos constitucionais tão relevantes quanto a propriedade privada e a proteção ambiental, sem prejudicar o avanço econômico e a estabilidade social do país?
Há experiências, no Brasil, que demonstram que a regularização fundiária e seus desdobramentos – como questões indígenas, quilombolas e de reforma agrária – vão muito além de uma abordagem técnica: são um alicerce fundamental para promover segurança jurídica, estimular a livre iniciativa e proteger direitos individuais essenciais ao desenvolvimento do país.
Uma dessas experiências envolve o caso Raposa Serra do Sol. Tive a oportunidade de atuar como advogada de arrozeiros que enfrentaram um drástico processo de desintrusão. Já no caso da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, o desfecho foi diferente: conseguimos firmar um acordo no Supremo Tribunal Federal para que os produtores rurais fossem indenizados tanto pela entrega de suas propriedades quanto pelas benfeitorias realizadas. Ou seja: a solução para tais questões deve ser pautada pelo respeito à Constituição Federal, sem que ocorram retrocessos que prejudiquem a propriedade privada.
O país ainda tem, no entanto, diversas terras privadas que permanecem registradas como públicas. É o caso de espaços que foram destinados pelo Incra para ocupação há várias décadas. O mesmo ocorre em assentamentos da reforma agrária e áreas urbanas de moradia popular, onde a falta de regularização perpetua a insegurança jurídica e dificulta o acesso a financiamentos, investimentos e à paz social.
Mas o tema em ebulição, no momento, é a demarcação de terras indígenas, que está em debate em um processo encabeçado pelo STF. Nessa discussão, é preciso questionar: como alinhar os princípios da ordem social e da ordem econômica? Defendo que a demarcação, que se insere na ordem social, não deve anular os direitos garantidos pela ordem econômica, como a propriedade privada e a livre iniciativa. A interpretação sistemática da Constituição é essencial para que princípios distintos coexistam de forma harmônica e atendam ao interesse nacional.
É preciso evitar que interesses políticos e ideológicos guiem as decisões, que precisam se pautar por soluções técnicas e pragmáticas. Hoje, o Brasil é um dos maiores produtores de grãos do mundo, tendo o agronegócio como um dos principais pilares de estabilidade da balança comercial. Isso ocorre apesar de 14% do território nacional ser destinado a terras indígenas, enquanto apenas 8% é voltado para a agricultura. O cenário é ainda mais alarmante quando somamos as áreas de demarcações quilombolas, desapropriações para reforma agrária, reservas ambientais, áreas de preservação, reservas legais e territórios sob gestão militar. Com essas inclusões, temos que 66% do território brasileiro está direta ou indiretamente inviabilizado para exploração agrícola.
Caso esses obstáculos fossem superados, o Brasil poderia ser autossuficiente na produção de fertilizantes, reduzindo sua dependência de importações, como as da Rússia, e tornando sua produção agrícola ainda mais competitiva no mercado global.
Fortalecer o debate sobre a regularização fundiária é crucial. É preciso enfrentá-lo com clareza e coragem, priorizando discussões baseadas em dados concretos, fundamentos jurídicos sólidos e viabilidade prática. Narrativas utópicas que perpetuam conflitos precisam dar lugar a soluções reais. A propriedade privada, os contratos agrários e a regularização fundiária não são obstáculos, mas alicerces indispensáveis para um país mais justo e eficiente.
Chegou a hora de encarar a regularização fundiária como uma prioridade. Que avancemos com firmeza e coerência, trazendo segurança jurídica ao campo e à cidade, enquanto equilibramos preservação ambiental e progresso econômico. É assim que construiremos um Brasil mais forte, com respeito às nossas raízes e aos direitos de todos.
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