Nunca é demais realçar qualidades que já enalteceram figuras públicas de antanho, principalmente para mostrar à juventude brasileira que esta nação já teve homens públicos honestos, humildes e corajosos. Um deles é Rodrigues Alves, que presidiu o Brasil de 1902 a 1906.
Relutou em aceitar a Presidência, pois temia não poder despertar no espírito republicano a confiança de que precisava para bem governar. Para se liberar desse pesado encargo, sugeriu nomes de brasileiros ilustres que poderiam, melhor do que ele – em sua modesta opinião – desincumbir-se a contento da missão.
Mas seus amigos sabiam que o governo não poderia ser confiado a um tímido, nem a um desanimado. Viu-se, em seu laborioso quatriênio, atos de resolução e coragem, banida a pusilanimidade que acompanha os que têm de ceder às imposições da política partidária profissionalizada.
Soube escolher sua equipe e dela não tinha ciúmes. Dava autonomia a seus auxiliares. José Leopoldo de Bulhões Jardim na Fazenda, o Barão do Rio Branco nas Relações Exteriores, Major Lauro Severiano Muller na Indústria, Viação e Obras Públicas, J.J.Seabra no Interior e Justiça, Marechal Francisco de Paula Argollo na Pasta da Guerra e vice-almirante Júlio Cesar de Noronha na Marinha.
Rodrigues Alves estava preparado para a presidência. Era, antes disso, Presidente do Estado de São Paulo. Foi Deputado Constituinte, Senador e Ministro da Fazenda nos governos Floriano Peixoto e Prudente de Moraes. Conhecia a máquina e sabia que a capital era algo que mereceria singular atenção. Em sua mensagem ao Congresso Nacional, a 3 de maio de 1903, definindo seus planos, foi explícito: “Os defeitos da Capital afetam e perturbam todo o desenvolvimento nacional. A sua restauração no conceito do mundo será o início de uma vida nova, o incitamento para o trabalho na área extensíssima de um país que tem terras para todas as culturas, climas para todos os povos e explorações remuneradoras para todos os capitais”.
Não era homem de prometer. Era homem de realizar. Pois proclamava aquilo que seria a tônica de seu quatriênio: “O que convém – e o Governo vai fazê-lo – é iniciar o serviço e não mais abandoná-lo, embora nos custe avultados sacrifícios”.
Rodrigues Alves conseguiu sanear e restaurar o Rio de Janeiro. Numa tarefa extraordinariamente laboriosa e fecunda. Eram conhecidos os elementos que tornavam difícil o êxito do plano adotado: ruas estreitas e pouco asseadas, calçamentos irregulares, construções antiquadas e péssimas instalações domiciliares, davam à cidade um aspecto avelhantado e triste. Não era fácil modificar essa ordem de coisas. Os maus hábitos da população deveriam provocar uma séria reação da parte dos proprietários indóceis, indisciplinados e afeitos à rotina. Somente um homem de qualidades superiores e de espírito forte poderia empreender e realizar o trabalho hercúleo da renovação da Capital.
Simultaneamente à restauração da capital degradada, Rodrigues Alves teve coragem para acaba com a febre amarela. Com a pertinácia de Oswaldo Cruz o êxito foi tão extraordinário, que a febre amarela pode ser considerada extinta. A doutrina da transmissão pelo mosquito foi explicada ao povo em larga propaganda – e não havia redes sociais, nem a facilidade de comunicação que hoje está disponível. Isolamento em domicílio, desinfecção de casas infeccionadas, extinção das larvas até nas galerias de águas pluviais. A Revolta da vacina poderia justificar-se naquela época em que a imensa maioria dos brasileiros era analfabeta. Quem diria que hoje, luminares e pós-doutorandos também repudiem a vacina?
A situação do Rio de Janeiro no limiar do século XX lembra a situação de São Paulo nesta terceira década do século XXI. Centro degradado, produção de resíduos sólidos numa quantidade insuportável, violência e invencível atuação de ladrões de celulares, que agem escancaradamente, porque se valem da menoridade.
Moradores de rua que se amontoam em todos os espaços. Os zumbis da Cracolândia que deixam a condição de “noias” para praticar vandalismo. É um quadro aterrador, que exige ação forte e coordenada entre Segurança Pública, Prefeitura, Governo do Estado e Terceiro Setor.
No momento em que São Paulo tiver condições de devolver ao povo o seu centro recuperado, pelo qual se caminhe a qualquer hora sem receio de se tornar vítima da delinquência desenfreada, então haverá esperança de que as coisas mudaram para melhor neste coração do Brasil.
Para isso, o administrador precisa se munir de exageradas doses de resolução e coragem. Assim como aconteceu com Rodrigues Alves. Não é impossível. Basta querer!
*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras
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