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Opinião|Responsabilidade civil por ato de terceiro: uma reflexão necessária

Atualmente, há nítida insegurança jurídica quanto à responsabilização por acidentes aéreos, especialmente na aviação particular, que reside na dúvida entre a responsabilidade objetiva e a subjetiva. A ausência da segurança jurídica gera imprevisibilidade nas decisões judiciais

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convidado
Por José Fernando Simão

Com frequência, por força da generosidade das instituições, sou convidado para conferências e aulas. Mesmo em São Paulo, onde resido, é comum as instituições contratarem taxistas para ida ao local da palestra e depois para minha volta.

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Esses transportadores podem ser pessoa física ou jurídica. A Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo, tem convênio com empresas de transporte. Imaginemos que um motorista, ao transportar o conferencista, bate o carro e gera danos ao transportado. Poderia eu cobrar da OAB ou da faculdade que me convidou indenização pelo fato de o motorista ter, culposamente, batido o carro?

O Direito sempre foi tido como uma ferramenta apta a dirimir controvérsias e garantir a paz social. É um corolário do Direito a segurança jurídica, que se traduz em um mínimo de previsibilidade da atividade jurisdicional. Aliás, é necessário que o sistema seja operável para que seja compreendido. E sendo compreendido, aplica-se a lei correta, o que garante segurança. Assim, o raciocínio fecha.

Atualmente, há nítida insegurança jurídica quanto à responsabilização por acidentes aéreos, especialmente na aviação particular, que reside na dúvida entre a responsabilidade objetiva e a subjetiva. A ausência da segurança jurídica gera imprevisibilidade nas decisões judiciais, e um ambiente de insegurança jurídica não é saudável para o país.

Citemos dois casos concretos. Ambos tratam de aviação civil privada, uma das formas de transporte que mais cresce no Brasil[1].

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No caso de transporte que vitimou o Governador Eduardo Campos[2], reconheceu-se que o PSB não era operador da aeronave, mas sim um simples usuário do transporte aéreo e, portanto, não contribuiu para o acidente. Diz o julgado que “o recorrente PSB deve ser havido como mero usuário do transporte aéreo, não exibindo, em decorrência, legitimidade para compor o polo passivo da demanda”.

A 4ª Turma do STJ afirmou não haver dúvida de que o papel do PSB era de usuário da aeronave: “O partido recorrido, juridicamente, nada mais era que o contratante do serviço aéreo, ainda que dito contrato não tenha sido oneroso.”

Em decorrência do mesmo acidente aéreo, também se entendeu em sentido contrário e o PSB foi condenado, de forma solidária, a indenizar moradores de casas atingidas pelo avião[3]. Segundo o julgado, tendo em vista que o PSB fazia uso exclusivo do bem, devia ser considerado explorador da aeronave, nos termos da legislação, com a consequente aplicação do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil. O entendimento foi de que a responsabilidade era objetiva, aplicando-se a teoria do risco da atividade.

As decisões divergentes reforçam um ambiente de incerteza, intranquilidade e instabilidade. A segunda decisão equivoca-se na premissa e no fundamento. A OAB, quando contrata um táxi, não exerce uma atividade de risco. A empresa, quando contrata um avião ou helicóptero para transportar um palestrante, não exerce atividade de risco.

Analisemos o risco no transporte aéreo, que é reconhecidamente uma das mais seguras formas de transporte. Assim, invocar o transporte aéreo como atividade de risco é uma distorção do conceito de risco. É aplicação indevida do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil que transforma a exceção em regra, ou seja, a responsabilidade claramente subjetiva (artigos 186 e 927, caput) passa a ser objetiva.

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O fato de muitos contratos afirmarem que “o contratante se responsabiliza pelo transporte do conferencista ou palestrante” não implica responsabilidade no sentido jurídico. É responsável pelo pagamento da despesa com transporte. É o uso popular, atécnico da palavra responsabilidade.

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Em suma, não interessa ao sistema uma solução justa, mas insegura. Também, o mesmo sistema repudia a ideia de uma solução injusta, mas segura. É por isso que a única conclusão que se pode chegar é a seguinte: aquele que contratou um transportador para transportar um terceiro, somente responde pelos danos causados ao transportado se ele agiu com dolo ou culpa. Responde ainda de maneira subjetiva. A responsabilidade é, em regra, única e exclusiva do transportador e não de quem o contrata.

[1] Os dados da aviação civil geral demonstram a afirmação “O anuário do transporte aéreo de 2022, divulgado nesta terça-feira (8) pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), mostrou que no ano passado foram realizados cerca de 830 mil voos no país, representando um aumento de 39% em relação a 2021″ https://www.cnnbrasil.com.br/economia/numero-de-voos-cresce-40-em-um-ano-no-brasil-diz-anac/#:~:text=O%20anu%C3%A1rio%20do%20transporte%20a%C3%A9reo,39%25%20em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20a%202021.

[2] 3ª Câmara de Direito Privado do TJSP, processo 1030267-76.2015.8.26.0562.

[3]10ª Câmara de Direito Privado do TJSP, processo 1025383-04.2015.8.26.0562.

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José Fernando Simão
Advogado, parecerista e professor associado de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP. Doutor e mestre em Direito Civil pela USP, é membro da comissão de juristas para atualizar o Código Civil no Senado. Foto: Arquivo pessoal
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