Fernando Reinach, biólogo que publica artigos instigantes neste Estadão, em seu texto de 23.08.24, aborda o limite de temperatura que o ser humano pode suportar e que varia em razão da umidade do ar. Explica a dinâmica da influência da umidade do ar na capacidade de esfriamento da temperatura de nossos corpos. Vale a leitura.
Segundo o estudo, baseado em avaliação científica, o limite de temperatura para idosos expostos ao sol é o de 31o C, quando a unidade do ar é de 100%. Na sombra, os jovens, suportam até 35oC, quando a umidade do ar é de 100%. Se a umidade do ar cair para 50%, os jovens suportam até 41OC. Tudo isso é muito menos do que poderíamos imaginar.
Essas informações deveriam pautar a postura das prefeituras Brasil afora, em seus trabalhos de regularização fundiária. Uma política estatal negligenciada, mas que tem a ver com economia, com cidadania e com saúde.
A autora é destinatária dos trabalhos de regularização fundiária, há mais de 20 anos, e tem alertado para a necessidade de que a hoje chamada Reurb não se resuma à regularização jurídica, ou seja, no papel, das áreas irregularmente ocupadas. Uma regularização de verdade precisa cuidar de um contexto que inclua a qualidade de vida: adequação das habitações, investindo nas condições de habitabilidade adequada, que incluem segurança e salubridade. Estrutura da construção, ventilação e insolação também merecem atenção do Poder Público.
O coautor, com décadas de atuação no sistema Justiça, contribuiu para que o tema regularização fundiária merecesse devida atenção de parte da Corregedoria Geral da Justiça, a responsável pela normatização que incide sobre a atuação do setor extrajudicial, cujo protagonismo é essencial para o êxito de qualquer programa de regularização fundiária.
O artigo de Reinach ainda foca outra faceta desse problema, qual seja, a capacidade de resiliência da população mais carente para lidar com as mudanças climáticas.
A Reurb bem feita, ou seja, aquela que cumpre o objetivo estabelecido no Art. 10, da Lei nº 13.465/2017 (“garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas”) é uma variável (de responsabilidade do Poder Público) diretamente relacionada à saúde e vida da população.
Casas sem ventilação, com excesso de umidade, podem ser o cenário perfeito para o agravamento das condições de saúde das pessoas no presente cenário climático. Por isso, o Poder Público deve caminhar com celeridade na implementação de medidas que importem na melhoria das residências regularizadas. Ainda que, de início, sob a forma de orientação dos ocupantes, de modo a proporcionar ganhos em habitabilidade e salubridade.
O tema é relevante também sob o aspecto das finanças públicas: aumento de doenças geradas por casas insalubres, impõe mais gastos com saúde pública e agrava a higidez financeira dos municípios com grande adensamento populacional. Ou seja: é indispensável que o gestor público invista em qualidade das moradias que estão sendo regularizadas. Política eficaz para prevenir doenças e com isso poupar recursos públicos necessários para atender outras áreas, como educação e cultura, esportes, segurança e saneamento básico. Outro fator cuja deficiência é geradora de custos muito acima da capacidade financeira dos 5.570 municípios brasileiros.
Isso pode implicar, inclusive, a remoção de algumas famílias das áreas em regularização, pois inócuo seria proceder a um realinhamento jurídico formal de construções em áreas de risco ou impróprias para receber moradia. Não é missão fácil. Haverá custos e insatisfação. Mas é o que deve ser feito. Para isso, reclama-se coragem e fiel observância dos princípios e valores a todos impostos pelo elaborador da Carta Fundamental.
Afinal, o princípio da dignidade da pessoa humana, norte inspirador contido na Constituição de 1988, impõe ao Poder Público e à sociedade incluir todos os brasileiros na condição de cidadãos aptos a usufruir da qualidade de vida que está em vias de acelerada deterioração, se não houver adequada reação às emergências climáticas provocadas pela ação humana contra seu habitat.
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