Atualmente, o uso de plataformas de economia colaborativa, tais como o Airbnb e similares, tornaram-se populares, porém pouco se fala sobre as implicações jurídicas e riscos percebidos no mundo real em razão da utilização destas plataformas em edifícios que foram concebidos, construídos e comercializados para serem residenciais.
É importante lembrar que parte considerável dos imóveis oferecidos nessas plataformas estão dentro de condomínios residenciais, o que coloca em risco a segurança, o patrimônio e o sossego dos condôminos, cabendo ao síndico a responsabilidade de coibir tais situações sob pena de responder por omissão dolosa.
Justamente por isso, visando trazer o lado jurídico e fático deste modelo, teceremos algumas considerações.
Primeiramente, é de suma importância que o síndico, assim como os proprietários dos imóveis, tenha conhecimento da incompatibilidade entre o condomínio residencial e atividades similares à hospedagem.
O próprio Airbnb, em seu site, expõe um aviso alertando os donos de imóveis que consultem previamente a convenção de seu condomínio para verificar se há restrição quanto à exploração dessa atividade de hospedagem.
Esclareça-se que não se veda as locações típicas das unidades habitacionais para fim de estabelecer residência fixa ou por temporada, o que se veda são as locações atípicas com finalidade de exploração de hospedagem cuja locação é feita por dias ou mesmo por horas dentro de condomínios residenciais.
Do mesmo modo, é extremamente relevante ao síndico entender como esses aplicativos influem no Direito condominial e no Direito de vizinhança dos condôminos.
Cumpre lembrar que a vida em condomínio exige a observância de regras de comportamento e deveres de boa vizinhança, no qual os condôminos devem abster-se de tudo que cause incômodo aos demais e façam o que seja conveniente para todos, visando evitar danos patrimoniais e perturbação de sossego.
Neste sentido, a convenção de condomínio constitui "lei particular" dentro do condomínio, sujeitando a todos a sua observância, sob penas de sofrer as sanções impostas na referida convenção, sendo que até mesmo pessoas que transitoriamente frequentem o condomínio estão sujeitas às regras.
Dito isso, cumpre fazer breves observações sobre o direito de propriedade do condômino.
Se por um lado o proprietário da unidade habitacional é coberto pelo direito de propriedade, exercendo seu direito individual exclusivo sobre a sua unidade habitacional, por outro lado, a partir do momento que ele adquire uma propriedade dentro de um condomínio, que é uma copropriedade, ele se sujeita à convenção desse condomínio, assim como os demais, para que seja possível a convivência do grupo.
Portanto, o direito de propriedade do condômino não é absoluto, pois sofre limitação pela convenção de condomínio ao qual o condômino voluntariamente aceitou no momento que adquiriu sua propriedade.
Um exemplo disso é a questão de animais de estimação, que podem ser permitidos ou não pela convenção.
Da mesma forma, quando há previsão que somente os condôminos e assemelhados podem fazer uso da piscina, salão de festas, academia, garagem, etc., referido conceito não pode ser estendido aos terceiros que se hospedam por dias em uma unidade habitacional que compõe o condomínio residencial, pois em nada se parece com aquele que estabelece residência fixa ou provisória, assemelhando-se a um hóspede hoteleiro, não tendo os direitos previstos em lei ou na convenção para uso de tais espaços, tendo em vista a destinação destes espaços comuns.
Assim, a locação da unidade habitacional por diária é um desvirtuamento da destinação do condomínio que por si só já é uma infração contra as normas da convenção de condomínio e pode sujeitar o infrator ao pagamento de multa, podendo referida multa ser majorada e, se o caso for tido como comportamento antissocial, pode ser objeto de deliberação em assembleia, podendo o caso até mesmo ser levado para apreciação pelo judiciário.
Também é fato que o uso das plataformas de economia colaborativa traz riscos à segurança, ao patrimônio e ao sossego dos condôminos, razão pela qual passaremos a abordar algumas das preocupações dos condomínios residenciais.
O primeiro ponto preocupante é a rotatividade dos hóspedes que locam imóveis por horas ou por diárias, transformando um ambiente residencial e familiar em um lugar inseguro pela presença constante de estranhos sobre os quais os demais condôminos nada sabem, bem como pelo fato do condomínio residencial não ter estrutura de segurança e nem funcionários treinados para lidar com esse tipo de demanda.
A própria estrutura do condomínio residencial não foi concebida para este tipo de finalidade, não há nos condomínios residenciais nem mesmo um cadastro completo destes estranhos e nem segurança suficiente para garantir a observância das regras do condomínio por estes.
Outrossim, não se pode esquecer o fato de que estes estranhos por vezes recebem amigos e convidados, que também são estranhos ao condomínio e que farão uso das áreas comuns.
Essas pessoas transitarão livremente pelo condomínio e, se mal intencionadas, podem tentar adentrar em outras unidades que ficam vazias em determinados horários. Um risco não só para o proprietário do imóvel locado, mas para todos os moradores do empreendimento.
Além disso, não é difícil encontrar notícias de casos problemáticos envolvendo tal modelo de hospedagem, dentre os quais choca os seguintes casos: destruição do imóvel pelo hóspede, festa regrada a álcool e drogas, uso do imóvel para prostituição, caso de furto e até mesmo morte.
Saliente-se que todos estes casos foram noticiados pela mídia, sendo que o mais emblemático foi o caso ocorrido em Calgary, no Canadá, no qual um casal alugou a casa para quatro pessoas que supostamente iriam para um casamento na região, porém o que aconteceu foi o uso da casa para uma festa com mais de cem pessoas regrada a álcool e drogas, que pelo noticiado resultou na destruição da casa, dos móveis e objetos de decoração, além dos proprietários encontrarem molho nas paredes, restos de comida dentro dos calçados, poças de álcool no chão, vasos sanitários entupidos com preservativos, etc.
Outro caso igualmente popular e noticiado pelas mídias foi o uso de apartamento residencial para serviços de prostituição no Reino Unido, no qual pessoas envolvidas com a indústria do sexo alegaram em entrevista que referida prática é comum.
Definitivamente, o ambiente de um condomínio residencial não é compatível com as referidas destinações.
A rotatividade de pessoas estranhas entrando e saindo do condomínio pode fragilizar o controle de acesso. Mas já existem sistemas de gerenciamento que contribuem com o registro de informações de visitantes no empreendimento e ajudam a monitorar com que frequência o hóspede vai até o local e por quanto tempo permanece lá. Todas as informações ficam vinculadas à unidade, o que pode ajudar a identificar com rapidez uma situação suspeita.
Vale lembrar que, tratando-se de exploração de atividade de hospedagem, aplica-se a responsabilidade objetiva prevista no Código Civil, segundo a qual é de responsabilidade do estabelecimento responder pelos danos de seus hóspedes ainda que não haja culpa de sua parte, ou seja, por regra, será de responsabilidade do condomínio, representado pelo síndico, responder por tais danos.
Por todo o exposto, é imprescindível que esteja claro na convecção do condomínio a permissão ou proibição da locação dos imóveis por diária. A prática irregular do exercício de tal atividade pode e deve ser coibida pelo síndico com a aplicação das penalidades previstas na convenção de condomínio, no regimento interno e nas determinações da assembleia, sob pena da responsabilização do próprio síndico por omissão dolosa, uma vez que é obrigação dele zelar pela aplicação das regras dentro dos condomínios.
Para um trabalho mais efetivo, os síndicos podem reforçar a comunicação com os condôminos distribuindo materiais de apoio a fim de conscientizá-los sobre os perigos de oferecer serviço de hospedagem em locais com a finalidade de moradia.
*Sócia do escritório Arakaki Advogados, é vice-presidente da Comissão de Direito aplicado à Hotelaria e ao Turismo na OAB/SP e membro efetiva da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos na OAB/SP
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