O subprocurador Augusto Aras, de 60 anos, é doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e membro do Ministério Público Federal (MPF) desde 1987. Escolhido hoje pelo presidente Jair Bolsonaro, é considerado o candidato que melhor soube ler os sinais do presidente quanto aos requisitos para nomeação ao cargo.
Desde que eleito, Bolsonaro afirmava que não manteria procurador-geral com viés ideológico e sinalizava que questões ligadas a meio ambiente, direitos humanos e minorias não deveriam ser o foco. O elo entre Aras e Bolsonaro foi o ex-deputado federal Alberto Fraga, colega de Câmara e amigo de longa data do presidente, responsável por levar o subprocurador-geral a pelo menos sete encontros no Palácio da Alvorada fora da agenda oficial.
Apesar de em sua trajetória ter tido ligação com políticos ligados ao PT, a ponto de ter seu nome vinculado como possível indicado ao Supremo Tribunal Federal pela presidente Dilma Rouseff, Augusto Aras demonstrou ao presidente da República, Jair Bolsonaro, em uma série de encontros no Palácio da Alvorada, que era conservador e alinhado ideologicamente a ele.
Aras se colocou como favorável à agenda de reformas do governo, teve o apoio dos filhos de Bolsonaro e de um dos ministros mais prestigiados pelo presidente, Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura. Ele foi considerado importante para destravar a concessão da Ferrovia Norte-Sul. Bolsonaro dizia querer alguém que não atrapalhe o progresso do País.
A candidatura, anunciada em abril, causou preocupação no Ministério Público Federal. Logo que se colocou como candidato, Aras colocou em xeque a lista tríplice, resultado de eleição promovida pela Associação Nacional dos Procuradores da República. A sugestão dos três nomes, a que o presidente não é obrigado a seguir, havia sido acolhida por Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. O último indicou a atual procuradora-geral, Raquel Dodge, segunda colocada na lista em 2017.
Em entrevistas ao Estado, Aras foi duro e crítico com os colegas do Ministério Público Federal. Afirmou que a instituição estava aparelhada e defendeu uma "disruptura" (rompimento, quebra de continuidade) para o MPF "retomar os trilhos" da Constituição. Também já fez críticas à Lava Jato. Não teve medo de se expor, ganhou, de um lado, adversários dentro do MPF e, de outro, a simpatia do presidente Bolsonaro.
"A lista criou a política do 'nós contra eles', extremamente lesiva ao ambiente democrático e republicano, porque produz artificialidades. Criou um aparelhamento institucional que preservou que um único grupo venha se perpetuando na gestão, na direção da instituição a partir das exatamente práticas majoritárias eleitorais, que são o fisiologismo e o clientelismo. Minha candidatura não é fora da lista, é dentro da Constituição", disse Aras ao Estado em maio, no início da campanha para a lista tríplice.
Ataques
No início de agosto, Augusto Aras era cotado como favorito para a indicação de Bolsonaro, mas sofreu uma série de ataques que fizeram o presidente adiar a escolha. A bancada do PSL na Câmara o associou à esquerda com base em declarações do passado, como uma citação à frase "Hay que endurecerse pero sin perder la ternura jamás", que se popularizou como uma citação de Che Guevara.
O nome de Aras também era visto com ressalvas no Supremo Tribunal Federal -- cuja cúpula atual preferia a recondução de Raquel Dodge. Um integrante da Corte fez chegar a informação a Bolsonaro. Diferentemente de Raquel Dodge, Aras não foi testado e haveria incertezas sobre como seria a condução da PGR por ele.
Para pessoas que acompanharam a candidatura de Augusto Aras, o nome do subprocurador voltou à tona diante da dificuldade do presidente da República de se satisfazer com algum dos outros postulantes.
Percebendo a resistência no Supremo, Augusto Aras buscou uma aproximação com a cúpula da Corte, como o presidente Dias Toffoli, o vice-presidente Luiz Fux e o ministro Gilmar Mendes. Segundo o Estado apurou, foram ao menos duas audiências com Toffoli e uma com Fux, já depois do início ao bombardeio de seu nome.
O trabalho de convencimento junto ao presidente foi consolidado com dois encontros na semana passada, na quarta-feira e no sábado, sempre na companhia de Alberto Fraga. Foi dito ao presidente, por exemplo, que a frase atribuída a Che era, na verdade, de autoria de um pensador latino.
Alinhamento
Os pontos convergentes entre de Augusto Aras e Jair Bolsonaro foram diversos. O subprocurador-geral considera a imunidade parlamentar uma "prerrogativa sagrada", tal como o presidente. A visão é contrária a posicionamentos do Supremo e da PGR, como aquele em que o procurador-geral Rodrigo Janot acusou o então deputado federal fluminense Jair Bolsonaro por incitação ao crime de estupro, denúncia recebida por uma das turmas do Supremo. Raquel Dodge também acusou Bolsonaro de racismo por uma declaração sobre a comunidade de quilombolas.
Um dos primeiros recados do presidente Jair Bolsonaro havia sido de que queria um novo chefe do MPF respeitasse o artigo 53 da Constituição Federal. Ele estabelece que "deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos".
Mostrando-se flexível na abordagem das questões ambiental e de demarcação de terras, Aras também disse que não deve haver obstrução por parte do MPF às obras. Além do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, o subprocurador-geral já disse em conversas reservadas que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, está fazendo um ótimo trabalho.
"Defendo que todas essas questões que são sensíveis à nação sejam tratadas de forma absolutamente técnica, e onde houver um aparente conflito de interesses, que sejam buscadas soluções que atendam ao interesse nacional no particular e que atendam ao interesse público como um conteúdo do interesse nacional", disse em maio ao Estado.
Indo contra a lista tríplice e pela candidatura avulsa, Augusto Aras percebeu que havia espaço para um outsider e se posicionou como tal.
Mas, diferentemente de Bolsonaro, não pode ser considerado do "baixo clero" dentro da instituição. Já ocupou postos de destaque. Foi o representante do MPF junto ao Conselho Administrativo da Defesa Econômica (Cade) e é o atual coordenador da Terceira Câmara do MPF, que trata de assuntos do Consumidor e Ordem Econômica.
Embora tenha resistido às críticas durante a candidatura, agora deverá enfrentar a resistência dentro da categoria do Ministério Público Federal, que defendia a lista tríplice. Já há manifestação marcada para o próximo dia 9 de setembro pela autonomia da instituição.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.