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Opinião|Saidinhas e trapalhadas: legislar em emergência não resolve problema estrutural

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Por Ivana David e Willian Sampaio
Atualização:

Mais uma vez o Brasil está a discutir alteração legislativa na área penal apresentando uma nova panaceia: o fim da saída temporária (as chamadas saidinhas). Tudo se resolverá! É essa a causa da insegurança pública! Essa a impressão que fica ao ver as entrevistas das autoridades.

Saída temporária de presos foi adotada efetivamente a partir da Lei de Execução Penal, de junho de 1984 Foto: Constança Rezende/Estadão

O histórico legislativo do país traz uma série de trapalhadas e imprecisões, principalmente quando se legisla em direito penal de emergência (para dar resposta ao clamor público). Mas dificilmente se alcança o resultado prometido. No início da década de 1990 foi criado o conceito legal de crime hediondo, principalmente por conta da explosão dos casos de sequestro que marcaram aquele momento. Os sequestros até diminuíram (sobretudo aqueles cometidos contra personalidades, como Abílio Diniz, Washington Olivetto e Antônio Beltran Martinez); mas a diminuição não se deu pela alteração da lei, até porque a lei posterior recém promulgada não alcançava os casos pretéritos, mas pelo trabalho de investigação, identificação e prisão dos envolvidos, incluindo associação criminosa internacional. E essa mesma lei impediu, à época, a progressão de regime de cumprimento de pena aos chamados crimes hediondos, mas o STF declarou, em 2006, a norma inconstitucional por, entre outros, ferir o princípio da individualização das penas. Em 2007 o congresso promoveu o ajuste legal para adequar a progressão mais lenta a esses casos.

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Em 2003 em nova alteração aumentou-se a dosimetria da pena da corrupção ativa e passiva de 2 a 8 anos para 2 a 12 anos; com isso, na modalidade ativa, por exemplo, solicitar vantagem indevida (propina) submeteria o autor à pena de até 12 anos. Entretanto, os legisladores esqueceram de alterar a dosimetria da pena da concussão que se manteve 2 a 8 anos; com isso, se o autor em vez de “solicitar” ele “exigir” a “propina”, em tese sua pena seria menor. No máximo 8 anos. Essa anomalia seguiu por 16 anos, até 2019, quando mais uma vez o congresso corrigiu o erro. Mas também em 2019, o chamado pacote anticrime, criou outra confusão, agora com os prazos de reincidência na qual o reincidente não específico (mesmo crime) em crime hediondo teve prazo de progressão de regime prisional igual ao condenado primário.

São alguns exemplos de legislação de emergência!

Voltando às “saidinhas”, é importante entender o instituto da saída temporária na legislação. No nosso sistema penal, para grande parte dos delitos não haverá cumprimento de pena de prisão. Explica-se. No Código Penal, por exemplo, são 127 condutas típicas que são consideradas como infrações de menor potencial ofensivo e, portanto, submetidas às medidas da Lei 9099/95, sujeitas a transação penal ou suspensão condicional do processo. São exemplos os delitos como ameaça, dano simples, desobediência, calúnia, difamação, injúria e até o assédio sexual (como pode?)!

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E não só os delitos previstos no Código Penal. Aplica-se também em 41 contravenções penais; 9 crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente; 26 no Código de Defesa do Consumidor; 9 no Código de Trânsito Brasileiro; 27 na lei do Meio Ambiente...entre outros.

Mas passado pelo “filtro” da Lei 9099/95, outros delitos, como o furto, hoje são alcançados por outro instituto: Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), o que também livrará o autor da prisão.

Com isso, os delitos que submetem os autores à privação de liberdade, são poucos. Mas há, ainda assim, uma proporcionalidade. Alguns autores de roubo, por exemplo, condenados a 5 anos de prisão, iniciarão o cumprimento de pena no regime semiaberto. Nesse regime, eles saem de dia para trabalhar ou estudar e voltam para dormir na “cadeia”. Eles já estão nas ruas durante o dia. Após cumprirem 1/6 dessa pena, cerca de 10 meses, poderão não voltar para dormir na unidade prisional em 5 datas durante o ano (as chamadas saidinhas). Mas não é só. Após cumprimento de 15 meses, eles estarão no regime aberto, em casa, portanto!

Ainda assim há teratologias: se um réu for apenado a 5 anos por crime praticado sem violência ou grave ameaça e sendo primário, ele progredirá do regime inicial semiaberto para o regime aberto (cumpridos 16% da pena) antes ou concomitante a ter direito à saída temporária (1/6 da pena).

Outro exemplo: condenado a 7 anos por crime praticado com violência ou grave ameaça. Início do cumprimento de pena também no semiaberto (dorme na “cadeia”). Cumpridos cerca de 14 meses, saída temporária; cumpridos 21 meses ele estará nas ruas no regime aberto; provavelmente ele nem terá usufruído do benefício das 5 saídas anuais pois já estará no regime aberto. Será que o problema está nos 7 meses?

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Mas o que fazer? Aprimorar. Sabendo que cumprir pena é reservado aos delitos considerados mais graves pela legislação, adequar os prazos previstos no artigo 112 da Lei de execução penal, que disciplina a progressão de regime, aumentando, principalmente, o período inicial do cumprimento de pena fixada e alterar o artigo 123 da mesma lei (que dispõe sobre saída temporária) para que “converse” melhor com a progressão de regime.

Certo é que acabar com saídas temporárias pode gerar uma injustiça reversa.

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Ivana David
Desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP)
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