Os quatro primeiros presidentes eleitos pela cidadania para presidirem a República não fizeram campanha. Prudente de Morais, Campos Salles, Rodrigues Alves e Affonso Pena tiveram seus nomes sufragados pela hegemonia partidária à época e não tiveram de convencer a população de que eram os melhores.
A percentagem de votos de cada um foi impressionante: em 1894, Prudente de Morais levo 83% do eleitorado. Em 1898, Campos Salles foi o preferido por 92%. Em 1902, Rodrigues Alves o superaria, pois alcançou 93% dos votos. E Affonso Pena suplantou todos os anteriores: ficou com 98% dos sufrágios.
O primeiro a enfrentar o povo foi Rui Barbosa. Disputou a presidência com o marechal Hermes da Fonseca e mudou o ritmo da campanha. Fez comícios, conversou com a população, distribuiu broches com sua foto, participou de passeatas. E fez inúmeros discursos.
Foi pioneiro no enfrentamento de uma contenda e na evidenciação de uma disputa. Visitou cinquenta cidades em três meses. Ao visitar sua terra, a Bahia, em janeiro de 1910, lamentou que tivesse de viajar da capital – Rio de Janeiro – até Salvador, de navio. Se eleito, prometeu, construiria uma ferrovia para atender à população dos dois Estados.
Prometeu ainda que jamais interviria nos tribunais, decretaria estado de sítio ou manipularia o resultado de qualquer eleição. Governaria com elevado espírito de moralidade, legalidade e justiça e contava, para isso, com o auxílio de Deus.
Valeu-se Rui Barbosa, de uma ruptura na chamada “política dos governadores”, em que os Estados mais importantes – São Paulo e Minas, de início, a parceria “café com leite” – mais tarde o Rio Grande do Sul, decidiam quem assumiria a Presidência. Minas e Rio Grande do Sul escolheram o Marechal Hermes e São Paulo ficou com Rui.
Hermes era sobrinho de Deodoro. São Paulo já estava um pouco descrente dos militares, diante do exemplo dos dois primeiros chefes da República: Deodoro e Floriano, cujas arbitrariedades desalentaram os republicanos-raiz. Quase fizeram do Brasil uma ditadura. Rui foi para o sacrifício: “Candidato por uma surpresa do destino, tenho a consciência de estar desempenhando uma obrigação política. Me considero volvido aos primeiros anos do regime republicano, quando nos batíamos pela sua condição mais essencial e vínhamos aqui e fora desta Casa (o Senado), defender as suas liberdades mais elementares”.
Rui foi um brasileiro patriota. Brilhou em Haia, onde conquistou o respeito de autoridades das grandes nações. Passou a ser cognominado “Águia de Haia”. Sua campanha passou à História como civilista, para se distinguir da militarista. O exemplo dos dois primeiros presidentes não animava os que amavam a Pátria e queriam uma República democrática.
“As nações, senhores, não armam os seus exércitos para serem escravizadas por eles. As nações não fazem os seus marechais para que eles venham a ser na paz os caudilhos de facções ambiciosas”, dizia a seus pares no Senado da República.
Era prestigiado por São Paulo e no próprio Senado, o senador Alfredo Ellis ponderava: “Prefiro e preferirei sempre um candidato civil. Os militares são uma classe nobre, não se contesta, mas não têm a educação necessária nem o preparo para a administração de uma grande nação como o Brasil”.
O senador baiano era incansável. Viajando de trem por São Paulo e do Rio para Belo Horizonte, parava em todas as estações, recebido com bandas de música, faixas, fogos de artifício e salvas de tiros. Autoridades locais hipotecavam a ele solidariedade.
Só que o establishment estava com o adversário. Rui foi alvo de intensa campanha midiática. Descreviam-no como aristocrata, distanciado do povo. Faziam caricaturas que procuravam ridicularizá-lo. Ao final, ele teve 223 mil votos e o marechal 404 mil. Quem conhece o Brasil não se espantaria da derrota do civilista. Este contava apenas com São Paulo e Bahia. Todos os demais Estados apoiaram o marechal. Este sequer fez campanha. Confiava no sistema.
No Senado, após perder as eleições, Rui se manifestou: “Bem poucas ilusões desde o começo podíamos nutrir. Apesar de tal ser o destino imediato da nossa causa, não a podemos desamparar. Quando praticamos uma ação boa, não sabemos se é para hoje ou para quando. O caso é que os seus frutos podem ser tardios, mas são certos. Uns plantam a semente de couve para o prato de amanhã. Outros, a semente do carvalho para o abrigo ao futuro. Aqueles cavam para si mesmos. Estes lavram para o seu país, para a felicidade dos seus descendentes, para o benefício do gênero humano”.
Contribuiu para a derrota de Rui o fato de inexistir Justiça Eleitoral. Ela só surgiu em 1930. Antes disso, o controle sobre as eleições ficava a cargo do Congresso Nacional. O que teria sido o Brasil com a vitória de Rui?
*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras
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