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Opinião|Se tivéssemos furacão por aqui, o que seria de nós?

É chocante observar a falta de visão a nível de Brasil no sentido de se ter política pública no campo climático, planejamento em relação a política climática, planejamento para lidar com estes temas

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convidado
Por Roberto Livianu

No início da noite da última sexta-feira, a cidade de São Paulo foi varrida por uma tempestade que não durou muito, mas foi intensa, que arrastou tudo que encontrou, inclusive os fios de alta tensão, danificou postes etc. Ou seja, mais uma vez centenas de milhares de estabelecimentos comerciais ficariam privados de fornecimento de energia elétrica por dias a fio.

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Restaurantes parados com enormes prejuízos, colocando em risco empregos e atividade econômica. Pessoas em casa, muitas vezes pessoas idosas e com deficiência inclusive com a saúde vulnerável, precisando utilizar aparelhos, sem energia.

E a empresa concessionária, a italiana ENEL, que demitiu muita gente para enxugar sua estrutura e obviamente otimizar os lucros no melhor estilho capitalismo selvagem, igualmente vem apresentando queda vertiginosa na qualidade dos serviços, sem respostas convincentes minimamente razoáveis aos consumidores.

Enquanto isto, de noite em Roma o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD-MG), era um dos convidados no luxuoso fórum internacional do grupo Esfera, (Itália), na 6ª feira (11.out.2024).

Chamou a atenção que o evento, realizado na Itália tem a empresa Italiana ENEL como uma das patrocinadoras. Sintomaticamente, durante sua participação, o Ministro Silveira cogitou (antecipadamente) a possível renovação da concessão da Enel, distribuidora italiana que opera em 3 Estados brasileiros: São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará. Parecia até que o serviço prestado fosse exemplo de primor, qualidade e padrão de satisfação dos consumidores.

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Ao se referir à companhia, em relação à qual cabe ao Poder Executivo Federal agir, ainda que haja uma agência reguladora intervindo no tema, a ANEEL, manteve-se um surpreendente tom ameno. Alberto de Paoli, diretor de Resto do Mundo na Enel, também estava no painel denominado “Rumo à sustentabilidade: a nova era energética”. https://www.poder360.com.br/poder-energia/enel-silveira-fala-em-renovacao-de-concessao-horas-antes-do-apagao/

Causa espanto este tom ameno no evento, patrocinado pela própria concessionária porque vistoria do Ministério Público de São Paulo mostra frustração de investimentos decorrente do contrato de concessão no período de 2020 a 2022, além de problemas em manutenção de rede.

Se por hipótese a Aneel tomasse a iniciativa de dar o pontapé inicial no processo de caducidade ser aberto pela agência de fiscalização, a agência teria competência, apenas, para recomendar o fim antecipado do contrato.

Mas o que se viu na Itália, coincidentemente horas antes da devastadora tempestade, foi comportamento surpreendentemente antagônico. Cabe ao poder concedente, ou seja, ao Ministério de Minas e Energia, a decisão de encerrar a concessão. E vale registrar que o presidente da agência reguladora foi escolhido pelo ex-presidente Bolsonaro, herdado por Lula.

Uma vistoria recentemente realizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo evidencia que a Enel São Paulo deixou de investir R$ 602 milhões em sua infraestrutura, conforme havia sido previsto no cronograma de planejamento.

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https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/10/enel-deixou-de-investir-r-602-milhoes-previstos-para-sp-aponta-promotoria.shtml

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O parecer técnico concluído em abril deste ano se baseia em dados oficiais e vistorias realizadas em janeiro, março e abril de 2024, em todas as regiões da capital paulista e em Diadema, na Grande São Paulo. A frustração de investimento, segundo a Promotoria, pode ser verificada entre o total do que se previa de aportes para os anos 2020, 2021 e 2022, e o que foi efetivamente gasto pela concessionária.

Chama a atenção, por outro lado, que existem corresponsabilidades do âmbito da prefeitura do Município de São Paulo que diretamente relacionadas ao fato, como a questão de podas de árvores, mesmo que não estejam encostadas nos fios de alta tensão. Porque se este serviço estivesse em dia, poderia contribuir preventivamente em relação a estes problemas, e existem pendências significativas em relação a este quesito. Há morosidade notória para a prestação deste serviço.

Vale a pena destacar também que estamos diante de um evento climático, assim como ocorreu em Porto Alegre, como em Petrópolis, no Litoral Norte de São Paulo. E nesta perspectiva, é chocante observar a falta de visão a nível de Brasil no sentido de se ter política pública no campo climático, planejamento em relação a política climática, planejamento para lidar com estes temas.

Aliás nas recentes eleições municipais em primeiro turno, pouco se propôs neste âmbito nos mais de 5.500 municípios brasileiros, mesmo sendo sabido que as chuvas, as enchentes e os deslizamentos são eventos que inexoravelmente ocorrerão. Não há visão de planejamento, não há prevenção e tramitam no Congresso diversos projetos que pretendem sucatear leis que protegem o meio ambiente, tornando este cenário ainda mais catastrófico.

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Subindo os olhos no mapa-múndi para o hemisfério norte, observamos o furacão Milton e sua força devastadora implacável nos Estados Unidos. Mesmo assim, o que se vê ali é um país que lida com a tragédia de forma organizada, planejada, estruturada e resiliente. E estamos falando de um evento da natureza infinitamente mais arrasador que a chuva de uma hora de sexta-feira. Fica no ar uma pergunta óbvia: o que seria dos brasileiros se um Milton se abatesse sobre nós?

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog do Fausto Macedo e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica

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Roberto Livianu
Procurador de Justiça no MPSP, doutor em Direito Pela USP, escritor, professor, palestrante, é idealizador e presidente do Instituto 'Não Aceito Corrupção'. Foto: MPD/Divulgação
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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