A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente Michel Temer, juristas e pesquisadores estão reunidos em São Paulo nesta terça-feira, 14, para debater o papel das cortes constitucionais e do próprio STF na democracia. O evento é promovido pelo Estadão por meio do Blue Studio.
As mesas acontecem no auditório da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em Higienópolis, e são transmitidas ao vivo pela TV Estadão, com cobertura em tempo real do jornal.
É o segundo dia de evento, com três painéis. Os debatedores discutem o papel dos tribunais superiores em uma perspectiva comparada, os desafios de combater crimes na internet e a função de gestão eleitoral atribuída ao Poder Judiciário.
Relação entre os poderes
O ex-presidente Michel Temer e o jurista Ives Gandra defenderam que o Congresso, e não o STF, tem a palavra final em caso de conflito entre o Legislativo e o Judiciário.
“O STF decide. Muito bem, decidido está. Mas logo ali adiante, o Legislativo, se quiser, produz uma nova ordem normativa que retira a eficácia da decisão”, disse Temer.
Em tom mais crítico, Ives Gandra afirmou que, em sua avaliação, os ministros do Supremo têm “invadido” as competências do Legislativo e do Executivo.
“Que voltem a ser um poder extremamente relevante para a democracia brasileira, de fazer com que a lei seja respeitada, mas sem invadir competência do Poder Legislativo e do Poder Executivo quando diz de que maneira o Poder Executivo tem que administrar a nação”, afirmou.
Crimes na internet
Os pesquisadores Clara Iglesias Keller e Ivar Hartman e o advogado Luiz Augusto D’Urso, especialista em Direito Digital, debateram sobre o papel do Poder Judiciário no combate aos crimes nas plataformas digitais.
O advogado Luiz Augusto D’Urso, especialista em Direito Digital, apontou desafios dos tribunais diante das demandas jurídicas relacionadas à esfera digital. “Não é possível simplesmente pegar a lei que é aplicada no ambiente físico e pensar que ela funciona perfeitamente no ambiente virtual, até porque encontramos lacunas de situaçções que podem ocorrer no ambiente virtual”, anotou.
Segundo D’Urso os tribunais tem dois desafios: a exposição nas redes e a própria relação com o ambiente digital.
Sobre o primeiro, ele destaca como as decisões do STF são debatidas nas redes sociais como se em um ‘reality show’, sendo que muitas vezes os usuários ‘extrapolam a liberdade de expressão para o ataque pessoal’. Já quanto o decidir sobre situações que ocorrem no ambiente virtual, o advogado apontou como as nas plataformas ficam aquém do que se espera de uma atuação de colaboração com o Judiciário.
A pesquisadora Clara Iglesias Keller, no Instituto Weizenbaum de Berlim, ressaltou como os Tribunais são a instância para remediar abusos na liberdade da expressão, mas ponderou que tal atuação está ‘longe de ser o suficiente de que uma democracia precisa para assegurar esse exercício verdadeiro da liberdade de expressão online’.
Clara destacou como o Poder Judiciário é extremamente seletivo, lembrando que nem todos os cidadãos conseguem acessar a Justiça. Ainda segundo a pesquisadora, o processo judicial é limitado para lidar ‘com a grandiosidade’ da moderação de conteúdo online, que tem muitos fatores e facetas.
“O Judiciário tem papel importante, mas sozinho não dará conta de garantir uma esfera pública digital saudável. É preciso politica pública, um marco regularório das plataformas que de conta das características desse ambiente, tanto aquelas (plataformas) que permitem a democratização da informação quanto as que potencializam esse poder e a possibilidade de danos”, anotou.
O professor Ivar Hartman, do Insper, também avalia que a atuação das plataformas é fundamental. “Essas plataformas estão em uma posição de poder em relação aos usuários. Não se trata apenas de órgãos judiciais atuando para tentar identificar e reprimir manifestações abusivas”, explica.
Justiça eleitoral
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, a pesquisadora Carla Luís, integrante do The Electoral Integrity Project na Universidade de Coimbra e o procurador-geral de Justiça de São Paulo Mario Saarrubbo discutiram a organização das eleições e a credibilidade do pleito.
Ex-presidente do TSE, Cármen Lúcia fez uma defesa enfática da Justiça Eleitoral e do trabalho por trás da organização do pleito, defendendo a necessidade de se ‘enraizar’ a vocação democrática no Brasil, para que o País ‘não seja só um modelo de processo eleitoral democrático, mas um modelo de democracia para o mundo’.
A ministra ainda deu um conselho: “A única flor que garante a liberdade de você cultivar o que você quiser na sua vida é a flor da democracia. Tudo mais é erva daninha. Nunca façam concessões com isso, não vale a pena”.
Veja a programação completa do segundo dia de seminário:
9h - Mesa 4: Os tribunais superiores: perspectivas globais
Como tribunais constitucionais se inserem nas diferentes lógicas de funcionamento de regimes presidencialistas e parlamentaristas? Como evitar o desafio de um tribunal constitucional excessivamente politizado, em presidencialismos com presidente forte como o Brasil?
Ives Gandra Martins, jurista, advogado e professor emérito da Universidade Mackenzie
Michel Temer, ex-presidente do Brasil, advogado e professor
Rosalind Dixon, professora de Direito na UNSW Sydney e ex-copresidente da International Society of Public
Mediação: Carlos Pereira, colunista do Estadão
10h20 - Mesa 5: Os desafios dos tribunais constitucionais na era digital
As supremas cortes lidam atualmente com desafios nunca antes enfrentados, como o combate aos crimes das plataformas digitais. Como lidar com essa situação sem ferir princípios liberais básicos como a liberdade de expressão?
Clara Iglesias Keller, líder de Pesquisa no Instituto Weizenbaum de Berlim e Professora no IDP, Brasília
Ivar Hartman, Professor Associado do Insper e doutor em Direito Público
Luiz Augusto D’Urso, advogado especialista em Direito Digital e Professor de Direito Digital no MBA da FGV
Mediação: Ricardo Correa, coordenador de Política São Paulo do Estadão
11h10 - Mesa 6: O Judiciário como condutor de processos eleitorais
Em democracias maduras, o próprio Legislativo organiza as eleições. Em que medida a organização por parte de um poder fora do jogo eleitoral é importante para dar credibilidade ao processo e evitar fraudes?
Cármen Lúcia, ministra do Supremo Tribunal Federal
Carla Luís, investigadora e membro do The Electoral Integrity Project na Universidade de Coimbra
Mario Sarrubbo, procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo
Mediação: Ricardo Correa, coordenador de Política São Paulo do Estadão
12h - Palestra de encerramento: Os desafios do Supremo Tribunal Federal na democracia brasileira
Cármen Lúcia, ministra do Supremo Tribunal Federal
Como foi o primeiro dia?
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, fez a palestra de abertura. Ele rebateu as críticas frequentemente dirigidas ao tribunal por intervenção em decisões do Executivo e do Legislativo.
O ministro também defendeu a descriminalização do aborto e a remuneração de veículos da imprensa tradicional por conteúdos compartilhados nas redes sociais.
Em outro painel, o advogado Antonio Claudio Mariz de Oliveira criticou o que chamou de uma “fase difícil” de ‘cerceamento’ à advocacia. “O STF deve voltar às origens de respeitar o advogado ou não teremos a implantação da Justiça e do Judiciário que almejamos”, defendeu.
O ministro Gilmar Mendes, decano do STF, fez um desagravo à atuação do tribunal ao longo do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e defendeu que o Supremo está autorizado a decidir sempre que for acionado e houver “omissão” do Congresso. Ele afirmou ainda que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sofreu “assédio” do ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, na preparação da eleição de 2022.
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