Interessante como a história caminha a ciclos senoidais; um dia se está na crista, outro dia no vale. Em 2018, o candidato Bolsonaro foi eleito sobremaneira pelo discurso (e promessas) anticorrupção, na esteira dos efeitos da Operação Lava Jato. Já em 2020, num discurso oficial, disse que ele acabou com a corrupção no governo. Senhor presidente, você está errado. E a verdade, as vezes inconveniente, segue abaixo nas próximas linhas.
Em Por que as nações fracassam[1], James Robinson e Daron Acemoglu - professores da Universidade de Chicago e do MIT, respectivamente - dissertam sobre o que faz com que algumas nações sejam ricas e outras pobres, e argumentam que o fortalecimento das instituições está no centro do êxito econômico. Penso que o mesmo pode ser dito a respeito do combate à corrupção. Fortalecer as instituições, desde o Judiciário aos órgãos de controle externo e a Polícia Federal são fundamentais nesse contexto.
Tecnicamente, não foi exatamente o que aconteceu no governo Bolsonaro. No início de 2019, vimos ações de intervenção na Polícia Federal, que culminou com a tentativa de troca do comando da instituição (cuja nomeação de Alexandre Ramagem foi freada pelo STF) e com a efetiva mudança na Superintendência do Rio de Janeiro (onde correm investigações contra o clã Bolsonaro).
Além da PF, outro órgão fundamental no combate à corrupção foi afetado: o COAF (Conselho de Controles de Atividades Financeiras), unidade de inteligência financeira que atua na prevenção e combate à lavagem de dinheiro - sobretudo de organizações criminosas - foi realocado de Ministérios, rebatizado (passou a chamar Unidade de Inteligência Financeira) e teve seus poderes enfraquecidos com uma decisão monocrática do Min. Dias Toffoli (a partir de um pedido feito pelo Senador Flávio Bolsonaro) que suspendeu o compartilhamento de dados oriundos dos relatórios de informações financeiras do COAF a órgãos de investigação sem autorização judicial.
Além disso, o governo federal publicou, logo em janeiro de 2019, um decreto que diminuía a transparência pública, facilitando a determinação de sigilo ultrassecreto para um rol incontrolável de servidores públicos. Foi derrotado pelo Congresso, que derrubou o decreto dias depois. Não satisfeito, o presidente voltou a baixar decreto em 2020 que desobriga todos os entes federativos a adotar sistemas de transparência, incluindo prefeituras. O governo reiteradamente enfraquece as instituições ao diminuir a transparência pública, e facilita a proliferação da corrupção.
Um capítulo a parte está no Judiciário, órgão fundamental para o combate à corrupção nas democracias modernas. Ao nomear um procurador-geral da República (PGR) fora da lista tríplice e subserviente ao presidente da República, os resultados nefastos começaram a aparecer: a Operação Lava-Jato foi desmontada e o combate à corrupção segue novo modelo centralizado (controlado) pela PGR.
Mas o pior capítulo estaria na nomeação de Nunes Marques ao STF, que em algumas semanas de toga demonstrou ainda mais subserviência a Bolsonaro a partir de votações esdrúxulas como a da reeleição à Mesa do Congresso (autorizando Alcolumbre, mas não a Maia, como queria o presidente) ou quando votou sistematicamente contra a Lava-Jato e a Lei da Ficha Limpa.
Na relação com o Legislativo, o governo apoia abertamente Arthur Lira (investigado pela Lava Jato) para a Presidência da Câmara dos Deputados, e, verdade seja dita, não defendeu nenhuma das Novas Medidas Contra a Corrupção, o maior pacote legislativo anticorrupção do mundo.
Vale lembrar também que defender as instituições não se limita apenas àquelas públicas; a imprensa, a liberdade de expressão e a própria democracia têm papel fundamental no combate à corrupção. Assim, atacar a imprensa deliberadamente constitui uma ação antidemocrática e atua em desfavor das instituições e do combate à corrupção.
Isso sem falar dos casos de investigação de corrupção (sim, rachadinha é corrupção) de seus filhos (com eventual imputação ao próprio presidente) no caso Fabrício Queiroz e das lojas de chocolate, por exemplo.
Por tudo isso, o inevitável aconteceu: o Brasil piora a cada ano sua pontuação no Índice de Percepção da Corrupção (IPC), ranking liderado pela Transparência Internacional, em que o Brasil amarga a posição nº. 106 em 180 países. E o próprio Bolsonaro foi "premiado" como a pessoa mais corrupta do ano de 2020 pelo Organized Crime and Corruption Reporting Project, um dos maiores consórcios de jornalistas investigativos do mundo.
Como acredito em críticas construtivas, seguem algumas dicas para um 2021 com ações (e não apenas promessas) de efetivo combate à corrupção:
- Valorize a democracia e a liberdade de opinião e de imprensa, mesmo (sobretudo) de quem pensa diferente do senhor;
- Fortaleça as instituições (não interfira), mesmo que elas um dia resolvam investigá-lo;
- Aproveite a base de sustentação no Parlamento para apoiar um pacote de medidas contra a corrupção;
- Nomeie um Ministro para o STF (o mesmo serve para outros tribunais) com atuação independente e comprometido de fato com o combate à corrupção.
Isso seria o mínimo (obrigação, diga-se de passagem) para quem se elegeu com o discurso de combate à corrupção. Qualquer outra coisa diferente disso aponta para estelionato eleitoral.
Certa vez ouvi uma frase que resume o papel do governante no combate à corrupção: é preciso não roubar, não deixar roubar e punir efetivamente quem rouba. Prefiro um Brasil que descobre, investiga e pune escândalos de corrupção àquele que as esconde para debaixo do tapete da impunidade. Assim fica fácil "acabar" com a corrupção.
*Daniel Lança é mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa - Portugal, e sócio da SG Compliance
[1] ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por que as nações falham - as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Rio de Janeiro: Alta books, 2012.
Este artigo faz parte de uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), com publicação periódica. Acesse aqui todos os artigos.
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