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Opinião|Seria bom lembrar

Inúmeros outros fenômenos ocorreram, em todos os quadrantes deste maltratado globo. E continuarão a acontecer, porque a humanidade não se emenda. Não muda seus hábitos de consumo. Continua a emitir veneno na atmosfera, como se um golpe mágico, um milagre, uma súbita reversão da natureza pudesse obviar os erros perpetrados durante séculos

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convidado
Por José Renato Nalini

Procuramos esquecer aquilo que nos desconforta. Assim acontece com quase tudo. Rusgas familiares, decepções com quem pensávamos fossem amigos, frustração no trabalho, desilusões nas expectativas. Mas há coisas que não deveriam ser olvidadas. Principalmente aquelas que representam sérios riscos para a nossa sobrevivência e, muito além, para a continuidade da aventura humana sobre o planeta.

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Pode ser que ainda nos recordemos da tragédia em São Sebastião, em fevereiro de 2023. E da catástrofe gaúcha em maio deste 2024. Mas é preciso atentar para uma realidade flagrante: a rebelião do planeta ocorre em todo o mundo.

Prestamos atenção aos três grandes furacões que se formaram de uma só vez no final do verão de 2017 sobre o Atlântico? O Harvey atingiu Houston, trazendo precipitações de tal vulto, que foram descritas como eventos que acontecem a cada quinhentos mil anos. Só a cada meio milhão de anos é que se poderia esperar tempestade semelhante.

Só que o furacão Harvey foi a terceira inundação em quinhentos anos a assolar Houston desde 2015. Na mesma temporada, um furacão atlântico chegou à Irlanda. Quase cinquenta milhões de pessoas deixaram suas casas inundadas no sul da Ásia e incêndios violentos converteram em cinza a safra californiana.

Episódios como esses, que teriam rendido lendas, metáforas e teriam incorporado a história dos países em tempos idos, passam desapercebidas por nós. São ignorados, subestimados e logo esquecidos.

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A adjetivação da mídia perdura durante curtíssimo período. Assim, em 2016, descreveu-se como a “inundação em mil anos”, que submergiu a pequena cidade de Ellicott , Mariland, Estados Unidos. Dois anos depois, a mesma cidade sofreu outra. E as ondas de calor? No verão de 2018, dezenas de lugares em todo o mundo foram castigados por uma temperatura inclemente. Que impressionante! De Denver a Burlington e Ottawa; de Glasgow a Shannon e Belfast; de Tbilisi, na Geórgia, e Yerevan, na Armênia, além de grandes regiões na Rússia meridional.

Por essa época, a temperatura diária em Omã ultrapassou os cinquenta graus e em nenhum momento, à noite, esteve abaixo dos quarenta e dois. No Quebec, Canadá, cinquenta e quatro pessoas morreram com o calor. Em São Paulo, o cientista e médico Paulo Saldiva constatou que no dia mais quente do mês mais quente do ano mais quente que foi 2023, houve pico de internações de hipertensos, diabéticos, portadores de anomalias cardiovasculares, gestantes, idosos e crianças. A notícia ruim é que 2024 está batendo todos os recordes.

Não era esperado que o Brasil pegasse fogo entre agosto e setembro de 2024? É só recordar que cem grandes incêndios florestais devastaram o Oeste americano, incluindo o fogo na Califórnia, que consumiu quatro mil acres num só dia e outro, no Colorado, que produziu erupção de chamas de noventa metros. Era um verdadeiro vulcão, a engolir todo um loteamento residencial. Isso levou a mídia a inventar uma nova expressão: “tsunami de fogo”.

Enquanto isso acontecia, no civilizado e disciplinado Japão as chuvas inundaram aquela populosa ilha vulcânica. Espaço que leva a educação muito a sério e que deveria servir de exemplo para nós. Exemplo também de como encarar o sistema Justiça: o japonês que precisa chamar um terceiro, o juiz, para resolver seus problemas, é porque tem fissura de caráter. Pessoas civilizadas resolvem seus problemas à base do diálogo.

Mas as chuvas no Japão forçaram a evacuação de um milhão e duzentas mil pessoas de suas casas. No mesmo verão, o tufão Mangkhut fez com que fossem removidas dois milhões e quinhentas mil pessoas da China continental. Nessa fatídica semana, o furacão Florence chegou às Carolinas - do Norte e do Sul - transformando a cidade portuária de Wilmington em uma ilha.

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Isso é apenas uma amostragem. Inúmeros outros fenômenos ocorreram, em todos os quadrantes deste maltratado globo. E continuarão a acontecer, porque a humanidade não se emenda. Não muda seus hábitos de consumo. Continua a emitir veneno na atmosfera, como se um golpe mágico, um milagre, uma súbita reversão da natureza pudesse obviar os erros perpetrados durante séculos.

Seria bom lembrar dessas coisas e fazer, em seguida, um exame de consciência. Sou parte da solução, ou parte do problema? O que estou fazendo para melhorar a condição do mundo, para tratar este planeta enfermo e legar condições de sobrevivência para meus descendentes?

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Felipe Rau/Estadão
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