Chegaram no Supremo Tribunal Federal (STF), nas últimas semanas, duas ações de inconstitucionalidade sobre as novas diretrizes do Conselho Federal de Psicologia que proíbem atendimentos associados a crenças religiosas.
A resolução, publicada em abril, reforça o caráter laico da profissão. Veja alguns pontos vedados:
- Induzir a crenças religiosas ou a qualquer tipo de preconceito, no exercício profissional;
- Usar o título de psicóloga ou psicólogo associado a vertentes religiosas;
- Associar conceitos, métodos e técnicas da psicologia a crenças religiosas;
- Usar, como forma de publicidade e propaganda, suas crenças religiosas.
As ações foram distribuídos ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Ele não pretende decidir individualmente e está decidido a levar o caso para julgamento direto no plenário.
Os processos devem ser analisadas em conjunto, mas não há uma data prevista para o julgamento. As ações só serão liberadas para inclusão na pauta depois que o Conselho Federal de Psicologia enviar suas justificativas e a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República concluírem seus pareceres.
Com as manifestações em mãos, Moraes decidirá quando liberar os processos para julgamento e a Presidência do STF poderá marcar uma data. Não há prazo para esses andamentos, o que significa que o tempo corre a favor do Conselho Federal de Psicologia, já que por enquanto não há risco de Moraes derrubar monocraticamente a resolução.
A primeira ação é movida em conjunto pelo Partido Novo e pelo Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR). Eles afirmam que a resolução restringe a liberdade de crença e pedem que o STF declare o texto inconstitucional.
“A crença em determinada religião ou a consciência religiosa de um indivíduo não apenas estão ligadas a essência de seu ser, seus afetos mais profundos, como necessariamente se manifestam na vida desse indivíduo como um todo”, argumentam.
O PDT também entrou com ação, mas em sentido contrário. O partido pede que o Supremo Tribunal Federal declare válida e resolução. O argumento é que a espiritualidade não pode ser usada para ‘desvirtuar os standards da psicologia’.
“Mesmo respeitando a espiritualidade de cada profissional, o campo de incidência e a autonomia dos profissionais de psicanálise devem ficar muito bem distintos de imposições religiosas”, diz um trecho da ação. “Tal desenlaçamento não implica proibição, vedação ou perseguição ao exercício da fé e da crença, seja tanto em seu aspecto intimista como em manifestações coletivas.”
O partido afirma ainda que Novo e IBDR buscam, por ‘vias transversas’, garantir a promoção de terapias de conversão sexual, popularmente conhecidas como ‘cura gay’, ‘através de inseminação de conteúdo religioso em detrimento da técnica e da ciência inerente à profissão’. O STF já reconheceu que qualquer prática terapêutica que considere a homossexualidade como um ‘desvio’ é ilegal.
A resolução foi aprovada por unanimidade, em dezembro de 2022, por uma assembleia formada pelo Conselho Federal de Psicologia e pelos 24 conselhos regionais. O texto foi publicado em 6 de abril de 2023, quando começou a valer.
A versão final foi construída a partir de sugestões de pesquisadores e do grupo de trabalho criado em 2014 para debater o tema. O Código de Ética da Psicologia já trazia diretrizes semelhantes, entre elas a proibição de ‘induzir’ convicções morais, ideológicas e religiosas aos pacientes.
“A resolução orienta que psicólogas e psicólogos devem atuar segundo os princípios éticos da profissão, pautando seus serviços com base no respeito à singularidade e à diversidade de pensamentos, crenças e convicções dos indivíduos e grupos, de forma a considerar o caráter laico do Estado e da Psicologia como ciência e profissão”, justificou o Conselho Federal de Psicologia ao publicar a resolução.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.