O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta quinta-feira, 3, o julgamento sobre os decretos do governo federal que levaram à desativação do Fundo Amazônia.
O plenário já tinha formado maioria, na semana passada, para derrubar os decretos e obrigar o governo federal a reativar o programa dentro de 60 dias. O prazo praticamente coincide com o fim do mandato do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O Fundo Amazônia é o maior programa de financiamento de proteção ao meio ambiente do Brasil. Os recursos eram doados pela Noruega e Alemanha. Os repasses estão congelados desde 2019, quando Bolsonaro editou decretos que acabaram unilateralmente com os órgãos de gestão do programa - o Comitê Orientador (COFA) e o Comitê Técnico (CTFA) -, o que era uma exigência dos países-doadores. O fundo tem aproximadamente R$ 3,5 bilhões engavetados no BNDES.
O tema foi levado ao STF por quatro partidos de oposição - PSB, PSOL, PT e Rede. As legendas argumentam que, na prática, a edição dos decretos presidenciais inviabilizou a execução do fundo.
A maioria dos ministros entendeu que, embora o governo tenha autonomia para reformular o programa e alterar seu modelo de governança, mas as mudanças não podem gerar retrocesso na proteção ambiental.
O advogado Rafael Carneiro, que representa o PSB na ação, vê a decisão como mais um passo na "construção de uma jurisprudência em prol do desenvolvimento sustentável".
"A opinião da maioria é um precedente importante para a chamada litigância climática, que ganha força no Brasil e em todo o mundo, levando aos tribunais um dos temas mais centrais para a humanidade neste momento", afirma.

O decano do STF, ministro Gilmar Mendes, reforçou nesta tarde que a discricionariedade do Executivo não é absoluta.
"Os governos democraticamente eleitos dispõe de poder para estabelecer políticas públicas, mas as políticas públicas hão de ser também consonantes com o que está estabelecido na Constituição", defendeu.
Votos
A ministra Rosa Weber, presidente do STF e relatora da ação, concluiu o voto na semana passada e disse que o Fundo Amazônia sofreu um "desmonte". "Nada impedia a formulação de uma nova política pública, mas ela não poderia implicar uma desconstrução e sim uma substituição que se revelasse minimamente eficaz ou equivalente", disse a ministra.
A presidente do STF alertou ainda que, sem financiamento, as políticas de preservação ambiental correm o risco de se tornar "planos programáticos e abstratos, destituídos de resultados práticos". Ela sugeriu que a União seja obrigada a adotar, em 60 dias, nos limites de suas competências, as providências necessárias para reativação do fundo, com o formato de governança anterior, estabelecido em decreto de 2008.
Rosa Weber foi seguida pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Moraes defendeu que discricionariedade administrativa da União para remodelar o Fundo Amazônia está limitada pelas "opções constitucionais e legais possíveis". "Discricionariedade não se confunde com arbitrariedade", destacou.
O ministro Fachin chamou atenção para o aumento do desmatamento na Amazônia e para o risco da floresta ser devastada até um "ponto de não retorno". Ele também destacou que o Brasil vem se distanciando das metas climáticas acordadas em pactos internacionais.
Na mesma linha, Barroso defendeu que o julgamento tenha um "efeito didático" para conscientizar o governo sobre a importância da preservação da Amazônia. "[Essa consciência] não existe na sociedade e não existe por parte de muitas autoridades governamentais", disse.
O ministro André Mendonça divergiu em parte da maioria. Ele também votou para obrigar a União a reativar o fundo, mas em sua avaliação o governo não foi omisso.
"Eu não questiono o quê ou o porquê das medidas", disse. "O que eu coloco é que, para alcançar a eficiência que se colocou como buscada, adotou-se uma medida que não encontra amparo nos preceitos da Constituição."
A única divergência total foi a do ministro Kassio Nunes Marques. Ele defendeu que qualquer decisão do STF sobre o tema seria uma interferência indevida no Executivo.
"A desativação parcial do Fundo Amazônia não se deu por puro capricho do governo ou com o objetivo de solapar uma política pública. Na verdade, o que está havendo é uma revisão completa da governança do fundo, de modo a aumentar a transparência na aplicação dos recursos e a maior eficácia dos investimentos. Se a política governamental que sairá dessa revisão será melhor ou pior que a anterior, isso é tema que está dentro da esfera puramente da política. Não cabe, ao meu sentir, ao Poder Judiciário julgar o mérito das opções políticas do governo", disse.