O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta quarta-feira, 27, o julgamento que extinguiu o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Como a ação tem repercussão geral, os ministros ainda precisavam definir a tese que será usada como diretriz por todo o Judiciário.
O plenário se dividiu entre uma tese minimalista, limitada aos contornos do caso concreto, e uma proposta mais ampla e analítica. Prevaleceu a última alternativa. “Se nós já detectamos os problemas, vamos resolvê-los”, defendeu o decano Gilmar Mendes.
A maioria aprovou uma tese com 14 itens. As disposições regulamentam desde a indenização aos proprietários desapropriados nos processos de demarcação até os pedidos de ampliação das áreas já demarcadas.
O marco temporal previa que os povos indígenas só tinham direito a permanecer nas terras que já ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988 - data da promulgação da Constituição. A tese foi usada pela primeira vez em 2009, no julgamento da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima.
A maioria dos ministros entendeu que o vínculo dos povos originários com o território não pode ser condicionado a uma data fixa. O laudo antropológico foi reconhecido como um dos elementos fundamentais para demonstrar a tradicionalidade da ocupação.
Veja as principais regras aprovadas pelo STF:
- Os direitos dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam não depende de um marco temporal ou de conflitos físicos e judiciais desde a data da promulgação da Constituição;
- O laudo antropológico é um dos elementos fundamentais para demonstrar a tradicionalidade da ocupação indígena;
- As terras de ocupação tradicional indígena são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis;
- Os donos de terras desapropriados têm direito à indenização prévia pelas benfeitorias na propriedade. A indenização também deve considerar o valor do terreno quando o reassentamento não for uma opção. O pagamento pode ser feito em dinheiro ou em em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário;
- Quando não for possível devolver as terras aos indígenas, a União tem o dever de formar novas áreas reservadas para compensar as comunidades;
- O processo de redimensionamento de territórios indígenas demarcados precisa ser aberto em até cinco anos após a demarcação, desde que fique comprovado que houve erro na condução do procedimento ou na definição dos limites da terra.
A decisão do STF enterra a tese do marco temporal na Corte, mas não encerra a batalha institucional sobre o assunto. Isso porque, em paralelo ao julgamento, o Congresso também vota uma um projeto sobre o tema.
Demanda da bancada ruralista, o projeto de lei 490/2007, conhecido como PL do Marco Temporal, já foi aprovado em maio pela Câmara dos Deputados, sob protesto de parlamentares de esquerda e movimentos indígenas. A proposta foi chancelada nesta quarta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e seguirá para votação no plenário.
Especialistas ouvidos pelo Estadão avaliam que, com a decisão do STF, o projeto de lei será colocado em xeque. O PL trata de outros temas, que podem seguir tramitando, mas o trecho sobre o marco temporal precisará ser revisto, segundo analistas.
Se os parlamentares insistirem na votação do PL, o Supremo Tribunal Federal tem pelo menos dois caminhos disponíveis. O primeiro, mais cauteloso, é aguardar a movimentação no Congresso e, se o projeto for promulgado, esperar o ajuizamento de alguma ação para eventualmente derrubar o texto. A segunda alternativa seria um controle prévio de constitucionalidade. A atuação preventiva acontece, via de regra, quando há risco de violação de cláusulas pétreas da Constituição.
Ao longo do julgamento do marco temporal, os ministros do STF mandaram recados ao Congresso. O ministro Alexandre de Moraes disse que a demarcação de terras indígenas se tornou um problema por causa da falta de ‘vontade política’ dos parlamentares e do Executivo.
O ministro Dias Toffoli chegou a sugerir que o STF emitisse decisão para obrigar o Congresso aprovar, no prazo de 12 meses, uma lei para regulamentar a mineração em terras indígenas. A proposta fixava parâmetros objetivos para guiar o debate de deputados e senadores. O objetivo era evitar a flexibilização da proteção a essas comunidades. Toffoli atribuiu ao Congresso ‘omissão’ na regulamentação do tema. “A não regulamentação da mineração leva à mineração ilegal, leva ao mercúrio nos rios, ao desmatamento, a conflitos localizados”, criticou. Ele recuou após conversar com colegas no intervalo, mas deixou a recomendação no voto.
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