Em derrota para a Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quinta-feira, 14, que crimes como corrupção e lavagem devem ser julgados na Justiça Eleitoral se estiverem relacionados a caixa 2 de campanha. O placar do julgamento foi apertado, por 6 votos a 5, e marcado por duras críticas a membros do Ministério Público Federal, que são contrários ao entendimento firmado pela maioria da Corte.
O cenário é visto por procuradores como desastroso para investigações criminais e operações como a Lava Jato, sob a alegação de que a Justiça Eleitoral não é a ideal para processar crimes complexos que exigem investigação aprofundada como corrupção e lavagem.
Há também um temor de que condenações sejam anuladas. O ministro Marco Aurélio Mello afirmou após o julgamento que a decisão da Corte pode levar à anulação de condenações. Em tese, isso só ocorreria se ficar entendido que o juiz federal julgou algum caso em que há relação de crime de caixa 2, por exemplo, o que atrairia a competência da Justiça Eleitoral.
Os reflexos da decisão do Supremo ainda não formam um consenso, e não devem ter efeito imediato, já que os processos terão de ser analisados caso a caso. O que deve ocorrer é a formulação de diversas reclamações de investigados que respondiam a processos na Justiça federal. Eles podem argumentar que os atos praticados não são legítimos, porque o juiz deveria ser eleitoral.
O voto decisivo foi dado pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que, como outros cinco colegas, é contrário a separar crimes comuns e delito eleitoral quando há conexão entre eles. Além de Toffoli, votaram desta forma os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski.
Vencidos, foram favoráveis à separação das investigações os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Luiz Fux. Na visão deles, seria responsabilidade da Justiça Federal processar crimes como corrupção, mesmo havendo conexão com delitos eleitorais.
Os seis ministros que formaram a maioria na Corte destacaram artigo do Código Eleitoral que define que cabe aos juízes eleitorais julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos. O entendimento vinha sendo utilizado em julgamentos pela Segunda Turma do STF, que enviou, por exemplo, o inquérito aberto com base na delação da Odebrecht contra o senador José Serra (PSDB) para a Justiça Eleitoral de São Paulo, em agosto do ano passado. Investigações de pelo menos outras 20 pessoas também foram para a Justiça Eleitoral, entre elas as dos ex-presidentes Michel Temer e Dilma Rousseff.
Os ministros ressaltaram que esta não é uma posição exclusiva da Segunda Turma, mas um entendimento do plenário do Supremo aplicado nos últimos 30 anos. "É mentirosa a afirmação de que essa questão se tornou relevante porque a Segunda Turma assim decidiu. Sempre o tribunal assim decidiu, nunca houve uma variação", afirmou Gilmar.
Os cinco ministros vencidos, no entanto, entendem que a Constituição Federal define ser exclusividade da Justiça Federal processar os crimes comuns.
Barroso destacou, ao votar, a especialização da Justiça Federal para julgar corrupção e outros crimes contra a administração pública. Ele fez uma defesa da eficiência da Justiça Eleitoral, mas afirmou que não se pode comparar a estrutura de uma e da outra. "Dizer que a Justiça Eleitoral não é vocacionada para julgamentos criminais não significa desmerecê-la. Significa identificar uma vocação."
Em seu voto, Fux afirmou que Código Eleitoral prevê tipos penais simples, como falsificação de documento, coação e transporte ilegal de eleitor, sem vinculação com "megadelitos de organizações criminosas".
Corrupção. A Corte discutiu a questão em um inquérito envolvendo o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (DEM) e o deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ), que apura indícios de caixa 2, corrupção, lavagem e evasão de divisas. Com o entendimento da maioria, a investigação será encaminhada para à Justiça Eleitoral no Rio.
Ao finalizar seu voto, o decano Celso de Mello citou uma recente declaração concedida à imprensa pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Nela, Raquel procurou minimizar os efeitos do julgamento, que, para a força-tarefa da Lava Jato, serão catastróficos para a operação. A fala citada por Celso de Mello no julgamento foi feita pela chefe do Ministério Público Federal no início da tarde desta quinta.
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