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Decisão do STF faz do jornalismo atividade de risco e promove autocensura, diz constitucionalista

Advogado André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, afirma que decisão do Supremo Tribunal Federal que autoriza responsabilização de veículos jornalísticos pode abrir caminho para assédio judicial às redações

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Foto do author Rayssa Motta
Atualização:

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que autoriza a responsabilização de veículos jornalísticos pelas declarações de entrevistados pode levar as redações à autocensura. A avaliação é do advogado constitucionalista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão.

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“O que o STF fez foi praticamente tornar a atividade jornalística uma atividade de risco. Ocorre que o exercício da liberdade de imprensa é um direito e transformar o exercício do direito em um risco é absolutamente contraditório”, afirma. “É um entendimento totalmente equivocado do papel da imprensa.”

O STF decidiu que jornais, revistas e portais jornalísticos podem ser punidos na esfera cível por declarações de seus entrevistados contra terceiros se houver “indícios concretos” de que a informação é falsa. Para o advogado, a decisão é inconstitucional.

“O STF engessa a possibilidade do jornalístico político, o jornalístico investigativo, ter fôlego para que o tempo possa comprovar que a versão divulgada é correta”, defende. “A entrevista ao vivo também passa a ser um risco jurídico.”

Marsiglia avalia que os parâmetros usados pelo STF são genéricos e podem abrir caminho para o assédio judicial a jornalistas.

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“O problema é saber o que são indícios concretos. Uma decisão liminar determinando a remoção de um conteúdo, totalmente reversível, pode ser entendida como um indício concreto. Mas pode também ser uma agência de checagem, um fato consensual, esse é o perigo”, alerta.

André Marsiglia sobre decisão do STF: "Entendimento totalmente equivocado do papel da imprensa". Foto: Divulgação 

O advogado explica que a tese fixada pelo Supremo foi uma adaptação, para os veículos da imprensa, das exigências previstas no PL das Fake News para as plataformas digitais.

“O que está sendo estabelecido agora para a imprensa é mais ou menos o que se pleitou para as big techs. Da mesma forma que as plataformas são responsáveis pelo conteúdos publicado pelos usuários, a imprensa se torna responsável pelo conteúdo do seu entrevistado”, lembra. “Mas a imprensa cria e pauta o debate público. Podá-la da mesma forma que se pretende poder um usuário de rede social é absolutamente inconstitucional. "

Não há, no entanto, espaço para revisão do julgamento. Os recursos no STF estão esgotados. A decisão poderia ser contestada em uma ação de constitucionalidade, mas o próprio Supremo Tribunal Federal ficaria encarregado de analisar o processo. Uma alternativa poderia ser a via legislativa, com a edição de legislação para regulamentar o tema, ou a modulação dos efeitos do julgamento pelo próprio STF, a partir da análise de casos concretos que chegarem ao tribunal.

“Na prática, o que pode acontecer de melhor é o STF perceber que a decisão é inconstitucional e rever o seu entendimento”, avalia Marsiglia.

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‘Embaraço’

O ministro Marco Aurélio Mello, aposentado do Supremo Tribunal Federal, era o relator do recurso que levou a Corte a autorizar a responsabilização de veículos da imprensa. Quando votou no julgamento, o ministro foi contra a tese agora aprovada por maioria pelo tribunal. Ao Estadão, Marco Aurélio afirma que a decisão vai na contramão da liberdade jornalística. “Eu não queria estar na pele da imprensa”, afirma.

Ao votar, em maio de 2020, o ministro defendeu que os jornais não podem responder, sem emitir opinião, por declarações dos entrevistados. “Não se concebe que o Judiciário implemente censura prévia”, escreveu na ocasião. “O que deve haver é a responsabilização de algum desvio de conduta cometido pela imprensa, o que não ocorre quando se limita a divulgar entrevista.”

Reação

Associações da imprensa divulgaram uma nota conjunta em que manifestam preocupação com o julgamento do STF. “As entrevistas são um elemento fundamental para o exercício jornalístico”, diz o texto.

As associações avaliam ainda que a tese pode inviabilizar as entrevistas, sobretudo quando forem ao ar em tempo real.

“Imputar uma responsabilidade que não cabe aos veículos pode forçá-los, por exemplo, a ter que fazer um controle prévio das respostas de seus entrevistados ou então a deixar de entrevistar, principalmente ao vivo, muitas pessoas, sob risco de terem que enfrentar posteriormente ações judiciais que podem esgotar os recursos do meio de comunicação ou do próprio jornalista processado”, afirmam as entidades.

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O texto é assinado pela Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Instituto Palavra Aberta, Instituto Vladimir Herzog, Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca).

Não há restrição à liberdade de expressão, diz Barroso

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, saiu em defesa da decisão em conversa com jornalistas após a sessão. “É preciso fazer a leitura correta da decisão que nós tomamos hoje”, disse. “Não há nenhuma restrição à liberdade de expressão, não há censura prévia.”

Segundo Barroso, os veículos só podem ser punidos se ficar comprovado que houve má-fé ou “grosseira negligência” na apuração das declarações dos entrevistados. “A regra geral é que o veículo não é responsável, apenas que tenha havido uma grosseira negligência à apuração de fato que fosse de conhecimento”, afirmou.

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