O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu nesta quinta-feira, 2, as regras a serem seguidas pelo Ministério Público em investigações criminais abertas internamente. Os ministros já haviam reconhecido que promotores e procuradores têm atribuição para instaurar e conduzir apurações na esfera penal. Os Procedimentos de Investigação Criminal (PICs) do MP deverão seguir os mesmos prazos e parâmetros dos inquéritos policiais.
Ficou definido que o Ministério Público pode realizar as próprias investigações, mas precisa comunicar imediatamente ao Poder Judiciário quando instaurar – ou encerrar – um procedimento. Há uma preocupação no STF com a supervisão desses procedimentos, daí a obrigatoriedade do registro das investigações, para viabilizar o controle judicial. Esse é um ponto que já havia sido pacificado no julgamento que tornou obrigatória a implementação do juiz de garantias.
As prorrogações também dependerão de justificativa fundamentada e aval judicial. Uma ala do STF chegou a defender, em nome da celeridade das investigações, que as autorizações judiciais para prorrogação dos PICs fossem necessárias apenas se algum investigado estivesse preso, mas a maioria decidiu que toda renovação de prazo deve passar pelo crivo do Judiciário. O objetivo é evitar um prolongamento excessivo das investigações.
“Essa decisão, somada à do juiz de garantias, arruma bastante esse tema da investigação pelo Ministério Público, mantendo a autonomia da instituição e a sua autoridade própria, porém preservando o controle judicial na medida do que o tribunal considerou necessário. Um tema difícil e controvertido”, afirmou o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, ao proclamar o resultado do julgamento.
O registro dos procedimentos também serve para evitar que investigações sobre o mesmo caso tramitem simultaneamente a cargo de magistrados diferentes, o que poderia levar a decisões conflitantes. Dessa forma, ficou decidido que o juiz que receber a primeira investigação, seja da Polícia ou do Ministério Público, terá prevenção para acompanhar outros procedimentos que eventualmente venham a ser instaurados.
Os ministros também reconheceram que cabe ao Ministério Público investigar suspeitas de envolvimento de agentes dos órgãos de Segurança Pública em infrações ou episódios de violência policial. A Constituição estabelece que uma das atribuições do MP é justamente o controle externo da atividade policial.
Quando houver representação ao Ministério Público, os promotores e procuradores serão obrigados a se justificar se negarem a abertura de investigação sobre violações de direitos humanos por agentes de segurança pública. Em outras palavras, caberá ao membro do MP fazer uma análise preliminar para verificar se há elementos mínimos que justifiquem a apuração, mas a decisão precisa ser fundamentada por escrito sempre que o órgão for acionado.
Os ministros concordaram, por fim, que os prazos previstos no Código Penal também devem ser observados pelos promotores e procuradores em seus PICs e que eles podem requisitar perícias técnicas, produzindo provas. Segundo a tese aprovada no plenário, os peritos “deverão gozar de plena autonomia funcional, técnica e científica na realização dos laudos”. O trecho foi inserido para evitar que o trabalho de perícia seja afetado por uma ascendência dos órgãos policiais sobre os departamentos de análise.
Na prática, o plenário do STF equipara as investigações do Ministério Público aos inquéritos policiais. O posicionamento vai de encontro a pretensões de policiais civis e federais, que frequentemente rivalizam com promotores e procuradores e se veem “atropelados” por eles. A recente crise entre delegados e membros do Ministério Público de São Paulo em torno da Operação Fim da Linha, contra o PCC, ilustra como o tema divide os órgãos de investigação.
Veja a tese aprovada pelo STF:
- O Ministério Público dispõe de atribuição concorrente para promover por autoridade própria e por prazo razoável investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado. Devem ser observadas sempre por seus agentes as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e também as prerrogativas profissionais da advocacia, sem prejuízo da possibilidade do permanente controle jurisdicional dos atos necessariamente documentados, praticados pelos membros dessa instituição.
- A realização de investigações criminais pelo Ministério Público pressupõe: 1. comunicação imediata ao juiz competente sobre a instauração e o encerramento de procedimento investigatório ou devido registro e distribuição; 2. observância dos mesmos prazos e regramentos previstos para a conclusão de inquéritos policiais; 3. necessidade de autorização judicial para eventuais prorrogações de prazo, sendo vedadas renovações desproporcionais ou imotivadas; 4. distribuição por dependência ao juízo que primeiro conhecer de PIC ou inquérito policial, a fim de buscar evitar, tanto quanto possível, a duplicidade de investigações; 5. Aplicação do artigo 10 do Código de Processo Penal ao PIC instaurado pelo Ministério Público.
- Deve ser assegurado o cumprimento da determinação no caso Honorato e Outros x Brasil proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, nos seguintes termos: “estruturar áreas interna do Ministério Público para que exercem de maneira adequada o controle externo da Polícia, por meio de instauração de procedimentos de investigação autônomos em caso de mortes e demais violações de direitos humanos cometidas por agentes de segurança pública”. A instauração de procedimento investigatório pelo Ministério Público deverá ser de forma motivada sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de segurança na prática de infrações penais ou sempre que morte ou ferimentos graves ocorram em virtude da utilização de armas de fogo por esses mesmos agentes. Havendo representação, a não instauração do procedimento investigatório deverá ser sempre motivada.
- Nas investigações de natureza penal o Ministério Público pode requisitar a realização de perícias técnicas, cujos peritos deverão gozar de plena autonomia funcional, técnica e científica na realização dos laudos.
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