Os fundamentos da decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que afastou vínculo de emprego entre um entregador e o aplicativo Cabify serão submetidos ao plenário da Corte.
É a primeira vez que os ministros do STF vão se debruçar no plenário sobre o tema. O julgamento vai traçar um precedente importante sobre as relações entre motoristas e aplicativos de entrega e transporte, como Uber, Rappi e iFood.
A votação ainda não tem data prevista. A expectativa é que o julgamento seja pautado no plenário virtual, dada a proximidade com o recesso do Judiciário e o volume da pauta das sessões presenciais em dezembro. Caso contrário, deve ficar para 2024.
A Primeira Turma decidiu por unanimidade nesta terça-feira, 5, que os motoristas que prestam serviço aos aplicativos não são empregados, nos moldes tradicionais da CLT. e que a fórmula de trabalho precisa de uma regulamentação própria. Há projetos de lei em tramitação no Congresso sobre o tema.
“Nós todos, juízes brasileiros e cidadãos em geral, nos preocupamos com esse modelo, o que não significa adotar o modelo da legislação trabalhista como se fosse uma forma de resolver”, argumentou a ministra Cármen Lúcia.
“Não tenho dúvida que daqui a vinte anos ou menos nós vamos ter um gravíssimo problema social e previdenciário, porque essas pessoas que ficam neste sistema de uberização não têm os direitos sociais garantidos na Constituição por ausência de serem devidamente suportados por uma legislação que diga como será a seguridade social para eles”, seguiu a ministra.
Os ministros consideraram que os colaboradores dessas plataformas têm flexibilidade para definir o próprio horário de trabalho, autonomia para aceitarem ou não as entregas e corridas e liberdade para trabalharem em outras funções.
“Não vejo uma relação de trabalho típica da CLT, mas sim uma outra forma de contratação, que eventualmente possa merecer uma nova legislação que discipline a matéria”, defendeu o ministro Cristiano Zanin.
Críticas à Justiça do Trabalho
A Primeira Turma analisou uma reclamação contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região (TRT3), em Minas Gerais, que reconheceu o vínculo empregatício entre o motorista e o Cabify.
Os ministros decidiram submeter os fundamentos decisão ao plenário do STF em uma tentativa de pôr fim a julgamentos divergentes na Justiça do Trabalho. O Supremo já tomou decisões, nas turmas e monocráticas, afastando o vínculo de emprego em casos semelhantes, mas sentenças nas instâncias inferiores têm dado ganho de causa aos motoristas.
Como mostrou o Estadão, mais da metade das reclamações enviadas ao STF neste ano tratam de questões relacionadas ao direito trabalhista. A Corte virou uma frequente instância de recurso para tentar impor limites ou mesmo corrigir decisões proferidas pela Justiça do Trabalho. Em geral, essa ações apontam que a Justiça especializada estaria desviando-se do cumprimento da reforma trabalhista.
O ministro Alexandre de Moraes, presidente da Primeira Turma e relator do caso, afirmou que o posicionamento do Supremo tem sido “desrespeitado” pelos tribunais e magistrados trabalhistas.
“Vamos àquela discussão da reiterada desobediência, do reiterado descumprimento, pela Justiça do Trabalho, das decisões do Supremo Tribunal Federal”, criticou Moraes. “A questão de teoricamente, ideologicamente, academicamente não concordar não justifica a insegurança jurídica que diversas decisões vêm gerando.”
De janeiro a novembro deste ano, o Supremo recebeu 6.148 reclamações – um tipo de ação que pode derrubar despachos ou atos administrativos que violem súmulas vinculantes. Dessas, 3.334 são relacionadas ao direito do trabalho. O levantamento realizado pelo Estadão mostra que o tema já equivale a 54% das reclamações que chegam ao STF. Esse índice subiu pelo segundo ano seguido. Em 2018, no ano posterior à reforma, essas reclamações contra decisões do TST no STF somavam 41%.
O ministro Luiz Fux sugeriu que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que administra o Poder Judiciário, seja acionado.
“É um péssimo exemplo de descumprimento de decisão judicial partindo do próprio Poder Judiciário”, criticou o ministro. “Nós temos um trabalho insano com essas resistências dos tribunais do Trabalho em não aceitar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e isso precisa de uma providência.
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