O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou nesta sexta-feira, 15, no plenário virtual, a decisão do ministro Flávio Dino que suspendeu a execução das emendas impositivas até que o Congresso dê transparência aos repasses. A decisão foi unânime.
Foi o próprio Dino quem pediu urgência em um pronunciamento do plenário. Uma decisão colegiada tem mais peso, especialmente no caso, que gerou forte insatisfação no Congresso. Os ministros tomaram a decisão em uma sessão extraordinária que durou 24 horas.
Câmara dos Deputados e Senado Federal alegam que não dispõem de meios para rastrear os beneficiários do dinheiro na forma requisitada pelo STF. Especialistas afirmam que Congresso tem dever constitucional de prestar contas sobre emendas.
Como relator, Dino foi o primeiro a votar e defendeu a manutenção de sua decisão. Ele citou o mito do voo de Ícaro ao justificar a suspensão das emendas impositivas. Também destacou que há reuniões previstas entre representantes do STF, do Congresso e do Executivo em “busca de solução constitucional e de consenso, que reverencie o princípio da harmonia entre os Poderes”.
“A busca por conciliação deve prosseguir, mormente em se cuidando de um sistema normativo que vem sendo praticado nos últimos anos”, escreveu. Dino também registrou que, a depender do resultado dos “diálogos institucionais”, a decisão poderá ser reavaliada.
Uma comissão técnica foi montada pelo ministro para viabilizar o cumprimento da decisão do STF que derrubou o orçamento secreto e proibiu qualquer prática similar. A missão do grupo é centralizar os dados sobre as emendas, após o Congresso e o Executivo relatarem “limitações” nas informações que dispõem sobre os repasses. A expectativa do grupo de trabalho é a de que, em março, seja lançada uma primeira versão do painel com todos os dados sobre o orçamento secreto.
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Dino também determinou à Controladoria Geral da União (CGU) que auditasse os municípios que mais receberam emendas parlamentares, por habitante, nos anos de 2020 a 2023. Cruzando dados orçamentários e do Censo de 2022, o Estadão chegou à lista de municípios que deverão ser analisados pela CGU. Concentradas em Roraima, no Amapá e em Tocantins, as cidades são base eleitoral do ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP); do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro; e dos senadores Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e Chico Rodrigues (PSB-RR), entre outros.
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Dino critica ‘parlamentarização’ das despesas
A maior parte do voto de Dino reproduziu a decisão em que ele suspendeu todas as emendas impositivas até que o Congresso dê transparência aos repasses. Neste despacho, o ministro ressaltou, por exemplo, as matérias jornalísticas sobre o orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão, ressaltando que elas representam “sinais amarelos a alertar os condutores do tráfego no mundo institucional”.
Segundo o relator, também foram acesos “semáforos amarelos” nos tribunais, no Ministério Publico, nas Polícias, nas Cortes de Contas, com a multiplicação de procedimentos investigativos ou sancionatórios acerca da execução de emendas impositivas, inclusive as Pix, modelo também revelado pelo Estadão. Batizadas com esse nome em referência ao sistema de pagamento instantâneo criado pelo Banco Central, as emendas Pix são uma forma de manejar as emendas individuais e permitem a destinação direta de recursos federais a Estados e municípios sem controle e fiscalização.
Dino destacou que a instituição do “orçamento impositivo” não pode significar a exclusão dos critérios constitucionais e legais para a execução da lei orçamentária. “Entender de modo diverso significa suprimir uma função típica e essencial do Poder Executivo, bem como viola a unidade e a harmonia do nosso sistema constitucional.”
O ministro chamou de “anomalia” o fato de o Brasil ter um sistema presidencialista convivendo com a “figura de parlamentares que ordenam despesas discricionárias como se autoridades administrativas fossem”. A avaliação de Dino é a de que o “equivocado desenho prático” das emendas impositivas gerou a “parlamentarização” das despesas públicas, sem que exista um sistema de responsabilidade política e administrativa implantado no Congresso.
Toffoli lembra de voto no julgamento sobre o orçamento secreto
Como o julgamento ocorre em sessão virtual, os ministros podem votar sem apresentarem seus argumentos por escrito. Apenas ministros André Mendonça, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Kassio Nunes Marques juntaram justificativas aos votos.
Assim como Flávio Dino, André Mendonça também destacou a possibilidade de uma resolução consensual do imbróglio.
Já Dias Toffoli acenou ao parlamento e lembrou do voto que proferiu quando o STF derrubou o orçamento secreto. No julgamento, ele foi um dos cinco ministros que defenderam a manutenção das emendas do relator - mecanismo do esquema revelado pelo Estadão - desde que adotados critérios mais transparentes na distribuição dos recursos das emendas parlamentares. Na ocasião, o ministro defendeu a transparência das emendas e pregou que o Executivo e Legislativo “delimitem seus papéis no âmbito do processo orçamentário”, regulamentando critérios para a indicação dos repasses.
Em seu voto, Toffoli ponderou, por exemplo, que as emendas individuais são legítimas. “Elas têm a finalidade de atender demandas locais e específicas das bases eleitorais dos parlamentares, as quais eventualmente não seriam contempladas no contexto de programações prioritárias e estratégicas de âmbito nacional. Pela sua própria natureza, essas emendas individuais são aplicadas de forma pulverizada, não sendo orientadas por um planejamento estratégico e de âmbito nacional, o que, no entanto, não reduz sua relevância.”
Gilmar critica modelo atual: ‘Margem a abusos e desvirtuamentos’
O ministro Gilmar Mendes, decano do STF, disse em seu voto que o modelo atual das emendas impositivas “dá margem a abusos e desvirtuamentos em termos de controle social e accountability”. “As emendas individuais e de bancada não são transparentes, controláveis e tampouco motivadas as decisões do agente político de alocar recursos escassos para tal ou qual projeto em Estado ou Município.”
Em seu voto, o ministro também afirmou que a transparência é “pedra de toque” do orçamento público. “Poderia ser considerado mesmo um princípio constitucional vinculado à ideia de segurança orçamentária.”
Gilmar fez uma ressalva. O decano disse que não “demoniza” as emendas parlamentares impositivas, mas criticou a eficiência do modelo, que na avaliação dele “desestimula a coordenação programática de políticas públicas”.
“Se, de um lado, há o legítimo interesse do Poder Legislativo em maior participação na destinação de recursos orçamentários, de outro, há uma premente necessidade de aperfeiçoamento do modelo atual à luz dos preceitos constitucionais.”
O ministro sugere que seja definido um valor máximo de recursos à disposição dos parlamentares, “como forma de preservação das competências conferidas ao Executivo e de consecução do desenvolvimento econômico e social”.
Barroso frustra estratégia do Congresso contra suspensão das emendas
O presidente do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso barrou na madrugada nesta sexta-feira, 16, uma ofensiva do Congresso Nacional contra a decisão que sustou a execução de todas as emendas impositivas até que os parlamentares adotem procedimentos que deem transparência aos repasses.
O Senado e a Câmara queriam que o presidente da Corte máxima derrubasse monocraticamente despachos assinados pelo ministro Flávio Dino. Barroso negou o pedido ressaltando que as decisões foram submetidas a referendo no Plenário da Corte máxima.
“Em situações absolutamente excepcionais, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a suspensão, pela Presidência, de decisões proferidas por outros Ministros. No presente caso, contudo, essas circunstâncias não estão presentes”, frisou Barroso.
O presidente do STF destacou ainda que o voto apresentado por Dino no julgamento realizado nesta sexta “sinaliza a possibilidade de construir solução consensual para a questão, em reunião institucional com representantes dos três Poderes”.
Para Barroso, a possibilidade de revisão das medidas cautelares a partir do necessário diálogo institucional torna “ainda menos recomendável uma resolução unilateral” da Presidência do STF.
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