A Polícia Federal abriu nesta terça, 26, a Operação Sisamnes para investigar um suposto esquema de venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça de Mato Grosso envolvendo advogados, lobistas, empresários, assessores, chefes de gabinete e magistrados. A PF prendeu preventivamente o alvo principal da operação: Andreson de Oliveira Gonçalves, considerado um lobista de sentenças que teria “influência” em gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça.
A operação foi autorizada pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal. Ele determinou o afastamento dos desembargadores Sebastião Moraes Filho e João Ferreira Filho - os quais já estavam fora de suas funções na Corte estadual desde agosto por ordem do Conselho Nacional de Justiça.
A operação ainda cerca servidores do Superior Tribunal de Justiça lotados em gabinetes de ministros da Corte.
Alvo principal da ofensiva desta terça, 26, Andreson teve sua casa vasculhada no mês passado na Operação Ultima Ratio - investigação sobre a venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Ele é considerado peça central nas apurações da PF e do Conselho Nacional de Justiça, apontado como elo do suposto esquema de venda de sentença em tribunais estaduais e no STJ.
O Estadão busca contato com a Corte estadual e os magistrados afastados. O espaço está aberto para manifestações. Em manifestações ao CNJ, Sebastião negou com veemência o suposto envolvimento com corrupção. O STJ nega o envolvimento de ministros no caso e investiga quatro servidores que teriam ligações com a venda de sentenças - dois foram afastados administrativamente.
Na manhã desta terça, 26, agentes cumpriram 23 ordens de busca e apreensão em Mato Grosso, Pernambuco e no Distrito Federal. As ordens foram expedidas por Zanin, que ainda impôs o uso de tornozeleira eletrônica a alguns dos alvos e bloqueou bens de investigados.
Segundo a PF, as investigações apontam que os magistrados sob suspeita “pediam valores para beneficiar partes em processos judiciais, por meio de decisões favoráveis aos seus interesses”. Também são investigadas “negociações relacionadas ao vazamento de informações sigilosas, incluindo detalhes de operações policiais”, indica ainda a PF.
A corporação aponta que o nome da operação faz referência a um episódio da mitologia persa, durante o reinado de Cambises II, que narra a história do juiz Sisamnes. “Ele teria aceitado um suborno para proferir uma sentença injusta”, diz a Polícia Federal.
A ofensiva apura supostos crimes de organização criminosa, corrupção, exploração de prestígio e violação de sigilo funcional.
Trata-se da primeira fase ostensiva da PF em Mato Grosso em uma investigação que já era conhecida no Judiciário. A suposta venda de sentenças no TJ-MT já era objeto de investigação do Conselho Nacional de Justiça quando a Polícia Federal encontrou elos do esquema e aquele desbaratado na Operação Última Ratio, no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
Os nomes que ligam os esquemas são dois: o advogado Roberto Zampieri, assassinado a tiros em dezembro de 2023, apontado como “lobista dos tribunais” com “amizade íntima” com desembargadores da Corte estadual; e Andreson de Oliveira Gonçalves, considerado um lobista de sentenças que teria “influência” no Superior Tribunal de Justiça.
Foi justamente a citação a ministros do STJ que alçou o caso ao Supremo Tribunal Federal. O procurador-geral da República Paulo Gonet pediu que a investigação ficasse na Corte máxima, pelo menos por hora, para verificar se há ou não o envolvimento de algum ministro do STJ com o caso. A ideia é a de que quaisquer suspeitas sejam dirimidas já no Supremo, inclusive para evitar eventuais argumentos de nulidade dos inquéritos.
A Operação Sisamnes está ligada aos personagens chave do inquérito - Zampieri e Andreson. O advogado se referia ao lobista como o “cara lá de Brasília” e chegou a pedir que sua mulher, advogada, escrevesse uma minuta de decisão para um desembargador “amigo” assinar.
Nas apurações sobre o esquema em Mato Grosso, o CNJ já havia afastado os desembargadores Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho e o juiz Ivan Lúcio Amarante. Segundo a apuração do órgão de correição da Justiça, os magistrados recebiam presentes e propinas em vez de se declararem impedidos para julgar os processos. Há suspeitas de venda de decisões judiciais com pagamentos via Pix e até em barra de ouro.
Quanto determinou o afastamento dos magistrados sob suspeita, o então corregedor nacional de Justiça Luís Felipe Salomão viu um cenário de graves faltas funcionais e indícios de recebimento de vantagens indevidas, “esquema organizado de venda de decisões”, com até nepotismo. Ele destacou “muito possivelmente, prática de crimes no exercício da jurisdição”.
Como mostrou o Estadão, as apurações sobre venda de sentenças em MT e em MS estão inseridas dentro de uma tempestade que preocupa o Judiciário desde o meio do ano. As investigações abertas sobre o tema já levaram ao afastamento de 16 desembargadores, sete juízes em seis tribunais de três regiões do País.
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