Num julgamento que se arrastou por dois meses, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial quando condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na ação do triplex do Guarujá, caso que levou o petista a ficar preso por 580 dias na carceragem da Polícia Federal em Curitiba.
Com o reconhecimento de que o ex-juiz era suspeito ao julgar o réu, as provas por ele autorizadas para serem produzidas e os depoimentos coletados serão invalidados. O caso, portanto, deve retroagir a ponto de se aproximar da estaca zero. Só estão preservadas as provas que foram juntadas ao processo.
Ao votar ontem, 23, no que deve ser seu último grande julgamento antes da aposentadoria, no dia 12 de julho, o ministro Marco Aurélio Mello disse que Moro é um "herói nacional", que, passado algum tempo, "é tomado suspeito".
O ministro sustentou em seu voto, contrário ao reconhecimento de suspeição, que o ex-presidente Lula foi 'ressuscitado politicamente', enquanto Moro foi levado 'para execração', sendo ele "magistrado que honrou o Judiciário, e adotou postura de imensa coragem ao enfrentar a corrupção''.
A favor da atuação do ex-juiz votaram, além dele, os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Edson Fachin, o relator do caso. Em sentido contrário, sete ministros consideraram que Moro atuou de forma parcial ao condenar o petista.
O voto proferido pelo ministro Gilmar Mendes prevaleceu entre os divergentes, que compreenderam haver no reconhecimento da suspeição maiores poderes de alteração processual do que no julgamento de incompetência da 13ª Vara Federal para julgar Lula.
Seguiram a leitura de Gilmar os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.
Os advogados de Lula argumentaram no pedido de Habeas Corpus que Moro "sempre revelou interesse na condução do processo e no seu desfecho".
A defesa do ex-presidente alegou que o ex-juiz não detinha a imparcialidade necessária para julgá-lo, tendo como base os arquivos obtidos pela Operação Spoofing em ação contra hackers, que expuseram a troca de mensagens entre Moro e os procuradores da Lava Jato. Há ainda entre os argumentos dos advogados o fato de o ex-juiz ter aceitado o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública no governo do presidente Jair Bolsonaro - eleito com a saída de Lula da disputa.
No voto que encerrou a discussão, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, deu ênfase ao fato de o relator do caso, Edson Fachin, ter julgado extinto o processo e, mesmo assim, parte dos ministros prosseguirem com o entendimento proferido pela Segunda Turma.
"Não há precedente no tribunal de um relator julgar extinto um processo e a turma tratorar e julgar o processo, como se o relator nada tivesse feito", disse. O ministro ainda argumentou que a incompetência territorial para julgar Lula é relativa e não deve ser vista de forma isolada.
Ao finalizar a sessão, Fux destacou que deu seu parecer seguindo o decano da Corte. Marco Aurélio reiterou em sua prelação o fato de a condenação de Lula no processo do triplex ter sido confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, em Porto Alegre, e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A decisão do STF pode - em última instância - deflagrar o processo de volta do PT ao poder, uma vez que o maior percalço jurídico para invalidação da candidatura do ex-presidente Lula em 2018 foi eliminado.
Foi a condenação a 12 anos e um mês de prisão no caso do triplex no Guarujá, confirmada em segunda instância, que levou o petista a ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que impugnou sua candidatura à Presidência da República.
Hoje, com o caminho livre para disputar o pleito em 2022, Lula é novamente favorito na corrida presidencial, como mostram pesquisas de intenção de voto publicadas recentemente.
Além de alterar os rumos da política nacional,a decisão colegiada ainda simboliza o marco do fim de um dos últimos capítulos da operação Lava Jato, encerrado oficialmente em fevereiro deste ano pelo procurador-geral da República, Augusto Aras - homem de confiança do presidente Jair Bolsonaro -, que incorporou as investigações remanescentes ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.