Por 10 a 1, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (18) dar aval à continuidade das investigações do inquérito que apura ameaças, ofensas e fake news disparadas contra integrantes da Corte e seus familiares. Na prática, o entendimento do Supremo abre caminho para que as provas coletadas sejam compartilhadas com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), "turbinando" ações que podem levar à cassação do presidente Jair Bolsonaro e do seu vice, Hamilton Mourão.
O inquérito das fake news já fechou o cerco contra o chamado "gabinete do ódio", grupo de assessores do Palácio do Planalto comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente da República. A existência do "gabinete do ódio" foi revelada pelo Estadão em setembro do ano passado.
Ainda tramitam no TSE oito ações contra a campanha de Bolsonaro e Mourão, das quais quatro - consideradas mais delicadas - tratam de disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp. Segundo o Estadão apurou, ministros do TSE avaliam que as provas coletadas até aqui nessas ações não são suficientes para cassar o mandato do presidente.
No entanto, integrantes da Corte Eleitoral avaliam que o compartilhamento de informações pode dar um novo fôlego às investigações, se as provas coletadas pelo Supremo forem robustas. O relator do inquérito das fake news, ministro Alexandre de Moraes, ainda vai analisar o pedido de compartilhamento feito pelo relator das ações no TSE que miram a chapa Bolsonaro/Mourão, ministro Og Fernandes.
Por decisão de Moraes, empresários bolsonaristas tiveram quebrado o sigilo bancário e fiscal no período de julho de 2018 e abril de 2020, alcançando, portanto, o período da última eleição presidencial. O ministro já apontou indícios de que um grupo de empresários atua de maneira velada financiando recursos para a disseminação de fake news e conteúdo de ódio contra integrantes do STF e outras instituições.
Entre os empresários que estariam financiando o grupo criminoso estão o dono da rede de lojas de departamento Havan, Luciano Hang; o dono da Smart Fit, Edgard Gomes Corona; Otavio Fakhoury, financiador do site Crítica Nacional; o humorista Reynaldo Bianchi Júnior; o coordenador do Bloco Movimento Brasil Winston Rodrigues Lima.
Julgamento. O julgamento no STF sobre a validade do inquérito das fake news foi concluído nesta quinta-feira. Ao votar pelo prosseguimento da apuração, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, observou que os resultados obtidos ao longo das investigações revelaram a existência de "aparato criminoso, uma máquina de fake news que continua a fazer com apoio de diversos núcleos, um deles financeiro".
"Há um núcleo decisório, político, financeiro e técnico-operacional, à semelhança das organizações criminosa, ofendendo com proposito vil, criminoso. Torna-se necessário deter esses agentes anônimos, independentemente de suas posições na República. Regimes sensíveis a tentações autoritárias convivem bem, muito bem, com práticas de intolerância e de desrespeito aos que a ele se opõem, revelando com tal comportamento perfil incompatível com o Estado democrático de direito, muitas vezes chegando até mesmo a estimular manifestações populares e mensagens que absurdamente qualificam como inimigos aqueles que legitimamente exercem o direito constitucional de oposição", afirmou Celso de Mello.
"Fake news, muitas emanadas de um suposto 'gabinete do ódio', com ofensas às instituições democráticas, não merecem a dignidade da proteção constitucional que assegura a liberdade do pensamento", acrescentou o decano, que deu o nono voto a favor do prosseguimento do inquérito.
Responsável pelo ato unilateral que criou o inquérito das fake news, o presidente do STF, Dias Toffoli, afirmou que a banalização do ódio advindo das fake news "é um fungo, que cresce e se espalha a partir de si mesmo", que tem como meta "multiplicar o caos".
"Não por acaso, temos presenciado: táticas de enfrentamento, ameaças e ataques às instituições; flertes com ruptura da ordem democrática; discursos de incitação ao ódio e à violência; antagonismo exasperado; pedidos de fechamento de instituições democráticas, como o STF e o Congresso Nacional; chamamentos à retomada de atos autoritários fracassados de nossa história. Ou seja, trata-se de lenta e gradual desestabilização das instituições promovida por métodos corrosivos da democracia", disse Toffoli.
"A instauração deste inquérito se impôs e se impõe não porque o queremos, mas porque não podemos banalizar ataques e ameaças a este Supremo Tribunal Federal, Guardião da Constituição da República", completou o presidente do STF.
O único voto contra o prosseguimento do inquérito das fake news veio do ministro Marco Aurélio Mello, que o considerou "natimorto", por ter sido aberto por iniciativa do próprio STF, à revelia da Procuradoria-Geral da República (PGR). "No direito, o meio justifica o fim, jamais o fim justifica o meio utilizado. O Judiciário é um órgão inerte, há de ser provocado para poder atuar. Toda concentração de poder é perniciosa", criticou o ministro.
Compartilhamento. O compartilhamento de provas do Supremo com o TSE não seria um movimento inédito. As ações do TSE que investigaram suposto abuso de poder político e econômico na chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer foram incrementadas com depoimentos de delatores da Odebrecht, que tiveram o acordo de colaboração premiada homologado pelo STF. Por 4 a 3, o TSE acabou decidindo não cassar a chapa Dilma-Temer.
Se a chapa Bolsonaro/Mourão for cassada ainda neste ano pelo TSE, novas eleições deverão ser convocadas para definir o novo ocupante do Palácio do Planalto. Caso o presidente e o vice sejam cassados pelo tribunal em 2021 ou 2022, caberá ao Congresso a escolha. Até hoje, o TSE jamais cassou um presidente da República.
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