Por 8 a 2, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta quarta-feira (6) condenar o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), a seis anos e nove meses de reclusão em regime semiaberto por irregularidades envolvendo empréstimos consignados a servidores. Segundo fontes que acompanham o caso, a decisão do tribunal abre precedente para que outros governadores, prefeitos e secretários sejam punidos criminalmente pela mesma prática.
O tribunal também condenou o governador a perder o cargo e a restituir R$ 6,3 milhões aos cofres públicos, mas cabe recurso.
Góes foi condenado pelo crime de peculato (desvio de dinheiro público) por ter, segundo o Ministério Público, deixado de fazer o repasse aos bancos dos valores descontados de funcionários públicos a título de empréstimo consignado. Os recursos teriam sido desviados para pagar despesas do governo. Os empréstimos foram feitos pelo Estado entre novembro de 2009 e março de 2010.
Em março deste ano, em caso semelhante, o Ministério Público do Tocantins ajuizou ação contra dois ex-governadores do Estado. Marcelo Miranda (MDB) e Sandoval Lobo (SD) e quatro ex-secretários estaduais de Fazenda são acusados de reter valores descontados de servidores que haviam tomado empréstimos consignados. Eles, no entanto, são investigados por improbidade administrativa - que prevê penas menores do que peculato.
A prática de alguns governadores de reter valores devolvidos por servidores que pegaram empréstimo consignado levou alguns bancos a suspenderem este tipo de crédito a ao menos três Estados -- além do Tocantins e do Amapá, o Rio de Janeiro também foi acusado da prática.
Julgamento. No caso de Góes, a ação penal começou a ser discutida pela Corte Especial do STJ em junho de 2018, quando foi interrompido por pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro João Otávio de Noronha. O relator da ação penal, ministro Mauro Campbell, e o revisor, Benedito Gonçalves, votaram pela absolvição do governador.
Ao abrir a corrente pela condenação, em setembro daquele ano, Noronha propôs pena de seis anos e nove meses de reclusão ao governador, além do pagamento de R$ 6,3 milhões como ressarcimento ao Estado do Amapá, conforme pedido pelo Ministério Público.
"A questão nesse aspecto merece destaque, pois não se discute o deslocamento de verbas públicas em razão de gestão administrativa, mas o deslocamento de dinheiro particular em posse do Estado, porquanto se trata de recursos retidos da folha de pagamento dos servidores", observou Noronha.
Na avaliação do ministro, o Estado não poderia utilizar-se dos negócios particulares dos servidores para o financiamento de programas públicos, já que não detinha disponibilidade sobre esses valores. "O ponto nodal aqui está em que o governo procedeu aos descontos e não os repassou. Portanto, se houve a retirada do dinheiro dos servidores, o não repasse a quem de direito significou desvio de dinheiro alheio", acrescentou Noronha.
Além de Noronha, votaram pela condenação do governador os ministros Raul Araújo, Nancy Andrighi, Humberto Martins, Herman Benjamin, Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão e Og Fernandes.
Trajetória. Waldez Góes foi governador do Amapá por dois mandatos, entre 2003 e 2010, ficou sem mandato de 2011 a 2014, quando foi eleito novamente para o cargo, sendo reeleito em outubro de 2018.
Ele chegou a ser preso pela Polícia Federal em 2010, durante a Operação Mãos Limpas, suspeito de envolvimento em esquema de desvio de recursos da União que eram repassados à Secretaria de Educação do Amapá. O STJ o inocentou no caso e arquivou as denúncias.
Em nota, os advogados Marcelo Leal e José Eduardo Cardozo, que defendem o governador, informaram que Góes "reitera sua inocência e a consciência tranquila haja vista que não houve prática de desvio de recursos públicos".
"Conforme apurado e reconhecido na instrução processual e na própria decisão condenatória, não ocorreu desvio do erário para terceiros ou fins pessoais, mas sim o pagamento de despesas outras do Estado em detrimento do consignado devido as instituições bancárias", disseram os advogados.
"Além de o governador não ser ordenador de despesas - e, portanto, jamais haver dado ordem de não pagamento, em época de "cobertor curto" - é eticamente censurável que se obrigue o administrador público a privilegiar o pagamento de bancos em detrimento das despesas correntes do Estado como Saúde , Educação e Segurança Pública", acrescentaram.
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