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Opinião|Suscetibilidades à crítica

Uma pessoa que nunca se deu bem com as críticas foi Francisco Adolpho de Varnhagen, considerado um dos maiores historiadores brasileiros. Considera-se traço característico de sua personalidade, e que vai marcar toda a sua trajetória, ser homem extremamente suscetível, ao qual aborrecem as críticas

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convidado
Por José Renato Nalini

Vive-se, em nossos dias, a era da zombaria, da folclorização, do “cancelamento”. O furor das redes sociais detona reputações, destrói perfis, atormenta os mais sensíveis. Mas isso não é novidade da idade web, da cultura digital. Sempre houve críticas acerbas, contundentes, cruéis. O que pode variar é a reação a tais manifestações do temperamento dos chamados racionais. A história do Brasil oferece infinitos exemplos.

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Uma pessoa que nunca se deu bem com as críticas foi Francisco Adolpho de Varnhagen, considerado um dos maiores historiadores brasileiros. Considera-se traço característico de sua personalidade, e que vai marcar toda a sua trajetória, ser homem extremamente suscetível, ao qual aborrecem as críticas. Sempre as transforma em casos pessoais violentos e apaixonados. E, como observa Nilo Odália, na Introdução à obra “Varnhagen”, “particularmente em relação à sua obra, é homem de sensibilidade exacerbada, reagindo de modo violento às críticas, sempre insatisfeito por não se achar suficientemente reconhecido e agaloado pelo que significou sua obra em prol da historiografia brasileira”.

Deixa isso muito claro em sua correspondência, impregnada de sentimento de frustração por não ter sido, desde logo, considerado o grande historiador que se julgava ser. Embora tivesse recebido o baronato em 1872 e o título de visconde em 1874, tais gestos não mitigaram sua sede de reconhecimento e seu sentimento de insatisfação. Glórias tardias não o apeteciam. Ressentia-se e deixava muito nítida a sua decepção.

Ele nasceu em Sorocaba, então chamada São João do Ipanema, em 17.2.1816, filho de Frederico Luís Guilherme de Varnhagen, oficial alemão contratado pelo Príncipe Regente, o futuro Dom João VI, para restaurar e ampliar a fundição de ferro de Ipanema.

Quando o filho escreveu sua mais expressiva obra, “História Geral do Brasil”, dedicou todo um capítulo à empreitada levada a efeito por seu pai. Cuida-se de um texto com eloquente amor filial, um capítulo apologético. Esmerou-se na defesa da memória paterna, pois entendia insubsistentes e injustas as críticas a ele destinadas. Tinha verdadeira ojeriza e prevenção contra José Bonifácio de Andrada e Silva, a quem atribuía a contundência da resistência oposta a seu pai.

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Varnhagen viveu apenas seis anos no Brasil e sua opção pela nacionalidade brasileira não pode ser considerada manifestação de patriotismo. Passou boa parte de sua vida em Portugal, para onde partiu em outubro de 1823, em companhia de sua mãe, que era portuguesa. O pai já fora para lá um ano antes. A metrópole não mantinha, em relação ao Brasil, os mais amoráveis sentimentos. Varnhagen aceitou a cidadania brasileira por uma necessidade intelectual. Era acendrado o sentimento generalizado pela ideia de nação. Precisava sentir-se entranhado num corpo nacional, carecia vivenciar o espírito de pertencimento.

Importante recordar que, em Portugal, engajou-se na luta de Pedro I, que se tornou posteriormente Pedro IV, contra o regente D. Miguel, o favorito de Carlota Joaquina. Estudou ciências exatas. Passou pela Academia de Fortificações, pela Escola do Exército, onde se formou engenheiro e pela Academia da Marinha, especializando-se em matemática. Na Escola Politécnica de Lisboa teve aulas de química, física, mineralogia, zoologia e botânica. Mas em 1835 começa a pesquisar sobre Gabriel Soares de Sousa, publicando “Reflexões Críticas”. Com o reconhecimento desse trabalho, ingressou na Academia de Ciências de Lisboa, apresentado pelo futuro Cardeal Saraiva.

Reconhecida a sua nacionalidade brasileira, em 1841, ingressou no nosso serviço diplomático e, entre 1842 e 1878, quando faleceu, exerceu diversos cargos, chegando a Ministro Plenipotenciário em Viena, posto em que a morte o colheu. Isso aconteceu em 29.6.1878. Sua viúva e filhos radicam-se no Chile e para lá se trasladaram seus restos mortais. Bizarro destino do historiador brasileiro “por nascimento e opção”, que pouco viveu no Brasil e nela sequer pode assentar em definitivo, como era de seu desejo. Só que, cem anos depois, cumpriu-se-lhe a vontade. Sorocabanos fizeram com que seus restos mortais viessem a repousar em solo sorocabano.

O importante é que Varnhagen legou à sua pátria sua atividade intelectual. O que produziu possui valor inestimável, pois é a sua leitura que permite acompanhar o desenvolvimento da colônia em nação. É um dos mais importantes documentos históricos do século XIX. Ler Varnhagen representa o processo de decodificação dos mais valiosos testemunhos históricos de um momento-chave da história política brasileira. Prolífico, tem produção bibliográfica extensa e variada. Merece atenta releitura e serena meditação. Tudo aquilo a que é raro alguém se entregue neste turbulento e confuso momento da primeira metade do século XXI.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Felipe Rau/Estadão
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