Desengane-se quem pensa que o testamento é uma questão reservada apenas aos mais idosos ou àqueles com grandes fortunas. O documento é um instrumento jurídico de extrema importância, muitas vezes subestimado, mas que desempenha um papel fundamental no momento da distribuição do patrimônio de uma pessoa após o seu falecimento, independentemente da idade ou do patrimônio, que pode ser uma forma de evitar conflitos e garantir uma sucessão harmoniosa.
Frequentemente recebo no escritório pessoas com algumas dúvidas sobre o documento. Afinal, o que pode e não pode constar no testamento? Há limite de idade para fazer testamento? Quem tem direito à herança? Posso usufruir dela antes da morte do autor do documento?
Uma das questões mais comuns é se todo mundo pode fazer um testamento e a resposta é sim! No Brasil, qualquer pessoa que tenha mais de 16 anos tem o direito de elaborar um testamento. Contudo, é necessário que a pessoa seja capaz, ou seja, possua discernimento mental para expressar sua vontade de forma consciente. Isso significa também que não há limite máximo de idade para fazer um testamento – ou seja, se o testador tiver 90 anos mas estiver no uso de todas as suas faculdades mentais, ele poderá fazer o documento.
Outra dúvida bastante frequente é se a pessoa pode destinar seus bens para quem bem entender. Cabe esclarecer que o Código Civil tem algumas regras sobre a destinação do patrimônio de pessoa falecida. Quem tem direito a fazer um testamento no Brasil segue as determinações da legislação. De acordo com a lei, 50% do patrimônio é destinado obrigatoriamente aos herdeiros necessários, e o restantes 50% da forma que a pessoa desejar. No caso de a pessoa não possuir nenhum desses herdeiros, ela tem a liberdade de dispor de 100% do seu patrimônio.
Os herdeiros necessários são os descendentes, (como filhos, netos, bisnetos, trinetos ou tataranetos), ascendentes (pais, avós, bisavós, trisavós e tataravós) e marido, esposa, companheiro ou companheira. Vale salientar que esses herdeiros também podem ser excluídos do testamento, mas em situações muito específicas e excepcionais, como em caso de ofensa física ou injúria grave, relações ilícitas dentro do meio familiar e em situações de comprovado desamparo.
Outro ponto que merece reforço é que não existe herança de pessoa viva. O testamento só tem eficácia após a morte do testador. Desta forma, a autonomia patrimonial do testador permanece intacta, podendo ele dispor livremente de todos os bens enquanto vivo.
Um testamento pode incluir quase todos os tipos de bens que o testador possui, desde que seja um objeto lícito, possível, determinado ou determinável e não proibido por lei. Isso inclui bens imóveis, como casas e terrenos, mas também veículos e mobília, dinheiro e investimentos e até mesmo bens intangíveis ou de natureza sentimental, como direitos autorais ou joias de família. E ele pode ser contestado por quem estiver se sentindo prejudicado na partilha, caso não respeite as leis e formalidades que envolvem um documento tão importante. Ele também pode ser alterado e revogado pelo próprio testador, se ele decidir mudar a sua vontade, ele pode fazer isso revogando o testamento anterior e fazendo um novo ou simplesmente modificando o existente.
Há também algumas situações em que acontece o rompimento do testamento, no caso de, por exemplo, a descoberta de um filho cuja existência o testador ignorava. Nesse caso, considera-se que, se o testador soubesse dessa informação, poderia ter disposto de seus bens de maneira diferente, e o testamento é considerado rompido, perdendo a sua eficácia.
Vale lembrar que a elaboração de um testamento não necessita obrigatoriamente de um advogado, mas é altamente indicada a contratação de um profissional para garantir a segurança jurídica necessária.
*Thalita Evangelista, advogada especialista em ações familiares e patrimoniais
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