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Opinião|Todo o mundo e nós também

Os fenômenos extremos ocorrerão com frequência e intensidade maior. Atingirão todo o mundo, como já está ocorrendo. E a nós também

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convidado
Por José Renato Nalini

Desastres atmosféricos acontecem no planeta inteiro. É importante observar que não são “naturais”, como se fala de forma preponderante. São provocados pelo homem, o animal insensato que acaba com o seu único habitat, antes mesmo de conhecer toda a exuberância de sua biodiversidade.

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Se São Paulo e a conurbação contígua sofreram com tempestade fora do comum, é preciso enfatizar que o “fora do comum” já não cabe mencionar. Tudo vai se tornar comum e rotineiro no “novo normal” imposto pela natureza à insanidade do bicho racional.

Breve incursão no noticiário mostra que o tsunami das emergências climáticas está sacrificando vidas e depauperando a economia de quase todos os países. O pior, é que – a despeito das catástrofes – a insensibilidade humana continua a agravar a situação. A tragédia amazônica é um bom exemplo. Não chega o desmatamento inclemente, para grilagem de terras, exploração da pecuária ou de uma agricultura que ali não prosperará, pois a região não se presta a isso, as facções criminosas atuam com desenvoltura e crescente ousadia.

Garimpeiros brasileiros trabalham na ilegalidade na Guiana Francesa. Estima-se que cheguem a quase dez mil. São maranhenses, em sua maioria. Atuam nos quase quinhentos garimpos ilegais, cento e cinquenta dos quais no Parque Amazônico, uma área que deveria ser de proteção ambiental com quase quatro milhões de hectares.

De cinco a dez toneladas de ouro por ano são ali extraídas. A presença de comerciantes chineses denuncia essa próspera atividade. Eles vendem mercúrio, utilizado no processo de separação do ouro e despejado nos rios e motores para barcos. A desenvoltura com que exercem a criminalidade evidencia a falência de controle estatal sobre a cobiçada região, alvo de interesse de todo o mundo, porque é essencial à higidez do clima planetário.

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Como sempre acontece, boas intenções não substituem a carência de boas práticas. França e Brasil já assinaram em 2008 acordo de cooperação para coibir a garimpagem ilegal. Em março deste 2024, quando o presidente Emanuel Macron visitou a região, ratificou-se a avença. E o que se fez? Nada. Prospera o comércio próprio a esse “trabalho”: prostíbulos, minimercados, comércio ambulante. E continua a contaminação dos rios e a contaminação dos indígenas.

A cada dia se verifica o aumento da criminalidade e a atração de facções armadas, que fazem dos garimpeiros disponíveis verdadeiros escravos. Há homicídios, mas nenhuma apuração e menos ainda condenação. Daí a alta circulação de drogas e de armas. Toda a delinquência está protegida pelo manto infinito da impunidade.

Os mais afetados são os indígenas, que assistem, inermes, à destruição de suas matas e a poluição de seus rios. O mercúrio tinge de amarelo e marrom partes dos rios, pois é descartado de forma errada e criminosa. Como o mercúrio se converte em material orgânico ao ser despejado nos rios e entra nas microalgas, ele se espraia por toda a cadeia alimentar e termina no organismo dos indígenas.

Primeiro vem a vertigem, a azia, dores musculares e nas articulações. Depois queda de cabelo. Poucos médicos e quase noventa por cento das mulheres das “comunidades do rio”, às margens do Maroni, que separa a Guiana Francesa do Suriname, já apresentam índices de mercúrio superiores ao recomendado pela Organização Mundial da Saúde.

Nas crianças, há problemas de memória, de aprendizagem, de comportamento, de baixa audição e visão, uma fórmula eficaz de se erradicar os indígenas da face da Terra, com a conivência do Estado.

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Como o vício e o mal caminham juntos, o garimpo ilegal compra a juventude. Recruta os jovens indígenas para o serviço de transporte e a mocidade já não quer pescar ou caçar, mas servir ao tráfico, à bandidagem, ao extermínio da floresta e da vida natural.

O Brasil é pródigo em discursos, não se recusa a assinar Tratados, mas não costuma cumpri-los. Assim como não observa o artigo 225 da Constituição Federal, que já em 1988 previa adequada tutela do ambiente. Esse quadro de descumprimento do pacto fundamental, de inércia, de omissão e de verdadeira cumplicidade, mostra que o Brasil não leva a sério o aquecimento global. Os fenômenos extremos ocorrerão com frequência e intensidade maior. Atingirão todo o mundo, como já está ocorrendo. E a nós também. Mas muitos dos que tiveram a paciência de ler esta reflexão, continuarão a perguntar: “E o que é que eu tenho a ver com isso?”.

Convidado deste artigo

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Felipe Rau/Estadão
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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