O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3), em Minas, condenou a Quinto Andar a pagar R$ 50 mil em danos morais a um funcionário negro nascido no Rio de Janeiro. Ele processou a empresa sob alegação de que sofreu xenofobia durante o serviço. O valor, inicialmente determinado em R$ 15 mil, foi ampliado após as partes recorrerem da decisão de 1.ª instância.
Segundo o acórdão, datado de 8 de maio, ao qual a reportagem do Estadão teve acesso, o funcionário foi dispensado em julho de 2022 sem justa causa, duas semanas após registrar no setor de compliance do aplicativo de aluguel e venda de imóveis uma reclamação das ofensas que alegou ter sofrido.
O acórdão cita o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, que busca “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
O colaborador relatou à Justiça que foi “alvo de chacota e piadas preconceituosas entre os colegas de trabalho” e sofreu associações às figuras de “trapaceiro, criminoso e desonesto”.
Ainda, o acórdão trabalhista diz que a Quinto Andar “deixou de adotar medidas preventivas e repressivas a fim de garantir um meio ambiente de trabalho sadio, inclusivo e livre de práticas de xenofobia”.
O autor da ação relatou à Justiça que a empresa “se omitiu em apurar, instruir e punir os responsáveis pelos ataques, mesmo após várias reclamações, informações, e-mails e denúncia formalizada”. O texto descreve relatos de testemunhas.
“A testemunha (...), afirmou ter presenciado o reclamante ser ofendido duas vezes — a primeira, quando a (...) disse que queria jogar uma bomba no Rio de Janeiro porque as pessoas de lá são sem educação e ladrões, e — a segunda, quando o colega (...), ao ver o autor de touca preta, levantou as mãos e disse ‘é assalto, pode levar’, depois começou a rir e disse ser brincadeira”. (Trecho do acórdão do TRT-3)
O que alegou a Quinto Andar no processo
A Quinto Andar questionou as provas ao citar que conversas de WhatsApp não poderiam ser consideradas meios para endossar a denúncia. A empresa citou um ‘relato unilateral’ contido nos documentos, que em sua avaliação não poderiam tornar a denúncia automaticamente verdadeira.
Uma supervisora do autor da ação destacou à Justiça do Trabalho que tomou conhecimento das queixas sobre piadas a respeito do Rio. O acórdão diz que a empresa soube dos fatos oito meses antes do desligamento do funcionário, em novembro de 2021. Segundo a funcionária, não foi possível apurar diretamente quem seriam os responsáveis pelas ofensas, já que os nomes não foram citados. Além disso, o denunciante teria sido mandado embora a pedido, já que não gostaria de continuar residindo em Belo Horizonte.
“[A Quinto Andar] Alega que o reclamante/recorrido nunca foi desrespeitado ou foi humilhado, muito menos de forma reiteradas, pois qualquer tipo de brincadeira ocorrida com ele decorreu de um contexto que ele mesmo permitiu, diante da abertura e do clima amistoso que possuía com os seus colegas de trabalho”, diz outro trecho da sentença.
Segredo de Justiça
Para evitar a ‘publicidade negativa’, conforme é descrito no acórdão, a empresa solicitou que o processo caminhasse em segredo de justiça. O pedido, concedido em 1ª instância, foi alterado após decisão colegiada do TRT-3 por conta do recurso pedido pela vítima de xenofobia com a indenização por dano moral e os honorários advocatícios.
O desembargador ainda citou o artigo 11 do Código de Processo Civil - prevê que todos os julgamentos devem ser públicos.
“No presente caso, a tramitação do feito em segredo de justiça, a requerimento da reclamada, só atenderia aos interesses privados e econômicos da ré, que busca evitar a publicização do ato ilícito que lhe é imputado, o que não autoriza a decretação da medida de caráter excepcional, uma vez que a regra constitucional e processual é a publicidade dos atos processuais”, adverte o acórdão.
Danos morais
A Justiça aceitou os argumentos do reclamante e ressaltou que, mesmo a empresa tendo tomado conhecimento dos xingamentos, as ações xenófobas não pararam.
O acórdão destaca que a Quinto Andar foi ‘negligente’ e ‘deixou de adotar medidas preventivas e repressivas a fim de garantir um meio ambiente de trabalho sadio, inclusivo e livre de práticas de xenofobia’.
O Ministério Público de Minas também foi acionado para analisar possíveis práticas do crime de racismo nos xingamentos de funcionários da Quinto Andar ao trabalhador do Rio. O caso pode ganhar desdobramentos.
COM A PALAVRA, A QUINTO ANDAR
A reportagem do Estadão tenta localizar a defesa da Quinto Andar para comentar a decisão do TRT-3. O espaço está aberto (gabriel.lima@estadao.com).
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