A mãe de uma colaboradora da Operação Lava Jato, em São Paulo, passou a receber trotes depois que a filha prestou depoimento na investigação contra o ex-diretor da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A) Paulo Vieira de Souza, apontado como operador do PSDB. Nos telefonemas, o interlocutor, ainda não identificado, fingia crises de choro ao falar com a idosa, mãe da testemunha.
A zombaria ao telefone foi interpretada pelos investigadores como uma tentativa de intimidação da colaboradora.
Além desse episódio dos trotes, uma outra testemunha ligou no dia 17 para o Ministério Público Federal de São Paulo, também chorando, dizendo ter medo de depor. O homem, que acabou prestando depoimento em sala separada dos réus e sem a divulgação de suas imagens, relatou como ficou sabendo de desvios em programas de reassentamento da Dersa.
Este cenário levou à nova ordem de prisão de Vieira de Souza. Acusado pelo desvio de recursos de R$ 7,7 milhões da Dersa, entre 2009 e 2011 (governos Serra e Alckmin), ele foi preso nesta quarta-feira, 30, por ordem da juíza Maria Isabel do Prado, da 5.ª Vara Criminal Federal de São Paulo. Tatiana, filha do ex-diretor da Desa, também foi presa.
Um ex-chefe de departamento da companhia, Geraldo Casas Vilela, teve prisão decretada. Logo cedo, agentes da Polícia Federal foram à casa de Vilela, mas ele não estava. Seu advogado, Fernando Araneo, informou que Vilela está viajando, mas vai se apresentar à PF.
Além da ação penal por supostos desvios de R$ 7,7 milhões em reassentamentos para obras do Rodoanel Trecho Sul, Vieira de Souza é investigado por supostamente operar propinas para o PSDB.
Ex-executivos das empreiteiras Odebrecht, OAS e Andrade Gutierrez relataram à Polícia Federal terem feito repasses de 0,75% ao ex-diretor da Dersa no âmbito da construção do Rodoanel.
Em cooperação com autoridades suíças, a Lava Jato descobriu conta atribuída a Souza com R$ 113 milhões não declarados.
O ex-diretor da Dersa havia sido preso em 6 de abril. Ficou em regime preventivo até 11 de maio quando foi solto pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo.
Segundo a decisão judicial que manda prender o suposto operador tucano, a medida é necessária para 'assegurar a instrução criminal'.
Na representação pela prisão de Vieira de Souza, o Ministério Público Federal sustentou as reiterações de ameaças por parte dos réus.
Em audiência no dia 18, o Ministério Público Federal já havia afirmado que uma testemunha - cujo nome está sob segredo - havia feito contato telefônico no dia anterior com a Procuradoria. "Após a testemunha entrar em contato, falou com o funcionário Emerson, o qual nos relatou que a testemunha estava chorando, com medo de vir à audiência pois temia que algo lhe acontecesse e temia encontrar os réus."
"Orientei ao funcionário Emerson que ligasse para esta 5.ª Vara Federal Criminal para que a Justiça tomasse as providências necessárias a fim de garantir seu testemunho sem constrangimento", afirmou o integrante da força-tarefa da Operação Jato na audiência.
Ex-funcionário da Dersa, o homem que se diz ameaçado afirmou ter trabalhado por 25 anos na empresa de capital misto, onde foi subordinado de outra acusada, Mércia Ferreira Gomes, e diz ter testemunhado irregularidades.
"Eu fazia a checagem de CPFs antes de realizar a sessão de dados de pagamentos. Ao fazer essa checagem, eu percebi que tinha uma divergência estranha. Algo que, enfim, nome que não batia, e alguma semelhança com o nome da pessoa que era minha chefe imediata, a Mércia Ferreira".
A testemunha diz ter questionado Mércia sobre os desvios e recebido como resposta, tempos depois, um recado para ficar calado.
"Ela veio e eu senti como se fosse um pisão de pé. De uma maneira bem suave, sem ameaça. Ela falou: 'ó, só te digo uma coisa, isso é bem maior do que você possa imaginar, então fica na sua'. E eu tenho uma tradição de ficar a minha mesmo", narrou.
COM A PALAVRA, GERALDO ALCKMIN
Em seu primeiro ano de mandato, em 2011, Geraldo Alckmin determinou a implantação de uma política de governança na DERSA, o que incluiu a estruturação do Departamento de Auditoria Interna que, desde então, realizou investigações que desvendaram e confirmaram desvios e fraudes. Essas investigações internas ampararam o trabalho do Ministério Público Estadual e, posteriormente, do MPF. O governo Geraldo Alckmin sempre foi intolerante com qualquer desvio de conduta. Tanto que nenhum dos pagamentos apontados como irregulares resultaram de decisões tomadas em seu governo. Todos ocorreram entre 2009 e 2010 e os de 2011 referem-se a saldos residuais liberados na gestão anterior.
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