É saudável que as pessoas queiram se tornar eruditas, estudem continuamente, prossigam os seus estudos na pós-graduação e depois dela. Mas é importante não perderem de vista que a obtenção de graus acadêmicos não garante aquisição de sabedoria. Informação é uma coisa, sapiência é outra. Conhecimento é algo que credencia a pessoa para se relacionar adequadamente com as demais e também para não perder o contato dialogal com a natureza.
Para quem realmente quer ser sábio, é importante não perder a humildade. E ela pode comparecer se, ao contrário de nos considerarmos sábios ou especialistas, perseguirmos e mantivermos a índole dos diletantes. O diletantismo se traduz numa atitude livre e desinteressada da realidade e pode valer mais do que o dogmatismo das formulações acadêmicas.
O formalismo acadêmico, ainda imperante, impõe tantos compromissos na observância dos infindáveis e renovados requisitos, que muitas vezes põe a perder o ineditismo do traço particular e característico da criatividade humana. Isso foi bem detectado por Gilberto Freyre, num ensaio sobre Eça e Ramalho. “Nem só de especialistas e acadêmicos vive a cultura de um povo”, ele diz, na convicção de que só contribuição dos diletantes, que se excedem à especialização mediante emprego do talento “acima do comum”, é eficiente para alcançar “um sentido de totalidade capaz de extrair significados sociais e filosóficos das cantigas de rua, das páginas de romance, do bibelô, ao mesmo tempo que dos valores mais evidentes e mais nobres”.
Uma pesquisa livre e plena de erudição pode mesclar discursos e diversificar as fontes de inspiração e linguagem. Isso importa na renovação de conteúdo das elaborações acadêmicas, a ponto de sua matéria se acabar mesclando com a da biografia, da história, da psicologia, da memória, da filosofia e da crítica social.
Seria profundamente rico para a cultura brasileira, se as teses e dissertações, além dos trabalhos de pós-doc, pudessem passar por uma metamorfose que traria para os relatos escritos a condição de expressões rigorosamente literárias, com a vantagem de serem também livremente analíticas.
As mentes aprisionadas ao excessivo formalismo relutam em admitir que tal fenômeno seja viável e perfeitamente factível, sem negligenciar a pureza da pesquisa desinteressada. Para estas, recomendável a leitura de Gilberto Freyre, que se mostrava impressionado com o fundo poético de onde emanava o que ele considerava “o estilo ideal dos verdadeiros escritores”, por mais complexos pudessem parecer. “Só o escritor que seja também poeta, no lato sentido alemão da palavra”, é capaz de revelar as intimidades mais características das personagens, das paisagens e das sociedades que a sua arte ressuscita ou surpreende ainda em movimento".
O escritor que consegue atrair o seu leitor, a ponto de não permitir que ele abandone a leitura, é aquele que não se preocupa com categorizar a sua obra. É aquele capaz de ser entendido por um menino que, se não existiu fora de nós, existiu dentro dos antepassados de alguns de nós e até pode existir dentro de nós próprios.
Por isso, assim como os bons escritores não se preocupam com o gênero em que investem - romance, ensaio, tópicos seminais de estrutura narrativa, seminovela, autobiografia disfarçada, biografia romanceada, história sob a forma de ficção, autoficção, invenção, imaginação, fantasia - assim também, os pesquisadores criativos poderiam se libertar das amarras acadêmicas.
E se não conseguirem, após a submissão aos cânones formais, revisem o trabalho, coloquem um nome sedutor e publiquem. Tudo importa para quem pensa e não tem limites. Deixe que a mediocridade continue a produzir trabalhos que dormirão nos escaninhos, sem qualquer repercussão na vida real.