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Opinião|Tudo pode, mas tem limite!

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convidado
Por Ivone Zeger*

Não tem sido raro ouvir a frase: “onde vamos parar?”, quando nos referimos às tantas mudanças em curso no âmbito da família. Os noticiários são muitas vezes superficiais e há um certo “oba-oba” permeando assuntos que deveriam ser encarados com extrema seriedade. Daí a percepção que muitos têm de que o mundo está de cabeça para baixo.

Ivone Zeger. Foto: Arquivo pessoal

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Especialmente dois temas têm impactado bastante o senso comum: o casamento gay e a reprodução assistida. Vou falar justamente desses dois assuntos, correlacionados que estão, não só porque muitos casais homoafetivos pensam seriamente em lançar mão desse tipo de reprodução, mas, principalmente, porque a ideia de que, hoje em dia, “tudo pode” nada tem a ver quando se observa a existência de leis e códigos de ética. Por isso nem sempre esse alarmismo de setores da sociedade se faz justificável.

Então, vamos ao que interessa. A legalização da união homoafetiva já é uma realidade em todo o Brasil. Isso porque o Conselho Nacional de Justiça expediu a Resolução 175, que proíbe autoridades de recusar acesso ao casamento civil e à conversão da união estável. Antes dessa resolução, cartórios de apenas alguns estados prestavam o serviço. E, mesmo nesses estados, a depender da localidade, o acesso era negado. Com isso, o CNJ faz valer a decisão de maio de 2011 do Supremo Tribunal Federal: o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar.

Nessa questão, é importante lembrar que tal possibilidade traz direitos aos homossexuais que nunca antes foram conquistados, como participação no processo sucessório como herdeiro, na condição de cônjuge; direito à realização de pacto antenupcial determinando regime de bens e outras tratativas; adoção do sobrenome do contraente, entre outros. O mundo não está de “ponta-cabeça” por causa disso, ao contrário. Com lei ou sem lei, os casais homossexuais não deixam de existir, aliás, existem desde que o ser humano está na face da Terra. O que há por trás de decisões como essa é o reconhecimento de que o Estado deve proteção a todos os cidadãos e que, nunca é demais citar, “todos são iguais perante a lei”.

É interessante, ainda, ressaltar que o casamento homoafetivo não passou pelo crivo do Legislativo, que ora engaveta as leis pertinentes ao assunto, ora discute com fervor religioso. Uma hora, certamente, chegarão a um consenso. E mais: essa decisão do CNJ pode ser questionada junto ao STF por grupos que discordam dela. Ou seja, ainda existe um caminho a ser percorrido; as ferramentas jurídicas estão sendo utilizadas e as instituições estão aí, em pleno funcionamento, em meio a discussões acirradas e pertinentes. De novo, não há razão para se pensar que “tudo rola solto”.

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No que se refere à reprodução assistida, o Conselho Federal de Medicina estipulou novas regras e, entre elas, especificou com mais precisão o procedimento dirigido aos casais homoafetivos. Se a resolução anterior era mais genérica, utilizando a expressão “qualquer pessoa” para designar os possíveis beneficiários da reprodução assistida – o que incorria em interpretações variadas –, a resolução atual diz o seguinte: “é permitido o uso das técnicas de reprodução assistida para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras, respeitando o direito da objeção de consciência do médico”. Para favorecer estes casais, foi ampliado o grau de parentesco para as doadoras de útero, também chamadas “barriga de aluguel”, que a partir de agora podem pertencer até o quarto grau. Esclarecendo: doadora de primeiro grau é a mãe; de segundo grau, a irmã ou avó; de terceiro grau, a tia e, por fim, de quarto grau, a prima.

Também entre as novas regras, há uma bastante importante, que estipula a idade máxima para que a mulher engravide por meio desse recurso: 50 anos. E essa regra vale tanto para a mulher que gestará o embrião formado por seu próprio óvulo quanto no caso das barrigas de aluguel. A mesma idade, 50 anos, é limite também para a idade dos homens doadores de espermas.

Pode-se perceber que para tudo há regras e leis. Se elas parecem estranhas para alguns, talvez seja necessário ampliar nosso escopo de percepções. Quem sabe tentar imaginar quem são os beneficiários dessas mesmas leis e o quanto estas impactam positivamente suas vidas? É verdade que sobram questionamentos. Um deles tem sido bastante discutido por psicólogos: como crescerão as crianças criadas por dois pais ou duas mães? Resposta que um futuro nem tão distante logo responderá. Mas penso que, nesse aspecto, cabe uma segunda pergunta: todos os casais heterossexuais que você conhece têm sido responsáveis - ou se constituem em exemplos a serem seguidos - no que se refere à educação das crianças?

Pensemos a respeito. Talvez mais do que impor nossos valores pessoais, o importante agora é deixar o “diz-que-me-diz” de lado e fazer valer o bom senso.

*Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Doutoranda em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidad de Buenos Aires – UBA. É autora dos livros Herança: Perguntas e Respostas, Família: Perguntas e Respostas e Direito LGBTI: Perguntas e Respostas

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