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Opinião | Turismo funéreo

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convidado
Por José Renato Nalini

Necrópoles estrangeiras exploram o turismo funéreo qual verdadeira indústria. O mais visitado é o Père Lachaise, em Paris, onde dormem sumidades. Chopin, Oscar Wilde, Alan Kardec e Jim Morrisson, entre milhares de outros. Há itinerário impresso para quem quiser passar só pelos mais célebres.

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O cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, está sempre repleto e o túmulo mais fotografado é o de Eva Peron. Mas é notável o de Gênova, pois os italianos sempre foram invencíveis quando se trata de planejar suas moradas além-vida. Todos se extasiam diante do mausoléu de Catarina Campodonico, conhecida como “la paisana”, que encarregou Lorenzo Orengo, de esculpir em mármore a sua efígie. Lá está a figura baixota e gorducha de mulher idosa, cheia de saias, trespassado o corpo por um chale bordado. Magnífico espécime de arte naturalista, uma das mais belas esculturas daquele campo santo.

Quando se noticia que as necrópoles da Capital paulistana foram privatizadas, cobra-se a preservação de verdadeiras obras de arte e também daqueles sepulcros que guardam personagens de nossa história. Nosso desleixo vitimiza até os mortos. Meu querido amigo e confrade José de Souza Martins levava os alunos para conhecer a Consolação e o Araçá, repletos de obras de excepcional qualidade artística.

Isso faz recordar que o embalsamamento já foi uma prática bem comum nos dois séculos que nos antecedem. No Rio, era famoso o Dr. Costa Ferraz, o mais notável embalsamador de cadáveres durante um período de quase meio século. Falecido em 1907, aos 69 anos, já ninguém se lembra dele. Mas o Dr. Fernando Francisco da Costa Ferraz se casou com Amélia Fernandina da Silva, filha do maestro Francisco Manuel da Silva, autor do Hino Nacional. Integrou a Academia Nacional de Medicina durante 42 anos. Descobriu uma fórmula ideal de embalsamar os corpos, cuja eficiência foi demonstrada no episódio Pichilin. Um pobre italiano, que era sapateiro e guardou todo o seu dinheiro para ser embalsamado. E assim foi.

Enterrado em cova rasa, depois de cinco anos estava intacto. O que causou polvorosa. Chegaram a considera-lo santo.

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O fato é que o Dr. Costa Ferraz embalsamou João Caetano, em 14.8.1863, em tempo em que ainda estudava Medicina. Além disso, embalsamou o lendário General Osório, que ao morrer já era Marechal, Marquês do Herval, Senador do Império e Ministro da Guerra. Isso já ocorreu em 4.10.1879, na casa em que morreu Osório, à rua do Riachuelo. Dessa casa o corpo de Osório foi levado para o Asilo dos Inválidos da Pátria, na Ilha do Bom Jesus, e ali guardado até sua trasladação, em 1894, para a cripta construída na base do monumento modelado por Rodolfo Bernardelli.

Costa Ferraz só não embalsamou Caxias, morto em 1880, porque em seu testamento dispensou todas as honras e recomendou, expressamente, não embalsamassem seu corpo. Todavia, embalsamou o Dr. Costa Ferraz o cadáver do velho Senador Dantas, falecido em 29.1.1894. Era tamanho o cuidado de Costa Ferraz com sua arte, que tinha cuidados extraordinários com a vida inanimada dos corpos que procurava preservar aos efeitos do aniquilamento. Assim, examinava frequentemente os despojos do senador baiano. Fazia isso com todos os seus trabalhos. Fazia abrir a sepultura, fotografava, dava novos cuidados, mudava as vestes, recompunha-os, limpava-os e testemunhava o estado de perfeita conservação, fazendo lavrar termo.

Também foi por ele embalsamado o corpo de Floriano Peixoto, trazido em 19.6.189, para sua casa de São Cristóvão, da fazenda em que falecera na estação da Divisa da Estrada de Ferro Central. E ainda o corpo de José Isidoro Martins Júnior, poeta, orador, publicista e professor de Direito, que a Academia Brasileira acolhera, mas que aos 22.8.1904, a morte roubara, antes da posse. O corpo de Martins Júnior foi mandado para Pernambuco, mas ficou em exposição no Arsenal de Guerra. Os últimos restos embalsamados por Costa Ferraz foram os de José do Patrocínio, que morreu em 29.1.1905. Com isso, encerrou suas atividades. E ele mesmo, Costa Ferraz, não foi embalsamado.

E o Pichilin? Seu dinheiro só deu para o embalsamamento. Não para um túmulo à altura. Por isso, seu corpo incorrupto ficou mais de vinte anos em exposição num depósito do necrotério, até que Basílio da Gama, em 7.5.1928, cuidasse de lhe conceder sepultura definitiva.

E você? Anima-se a visitar os cemitérios e descobrir quanta coisa bonita se fez, com o intuito de disfarçar o mistério da morte?

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo
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