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Opinião | Um decreto inconstitucional

A União Federal não pode prescrever aos demais entes sociais o que fazer em segurança pública, nem como executar esses serviços. Aqui, não há primazia da União com relação a edição de normas gerais. Tudo isso a pretexto de que uma unidade federativa, Estado ou Distrito Federal, receba, se cumprir o decreto, verbas federais

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convidado
Por Rogério Tadeu Romano

O decreto editado pela União Federal sobre o uso da força por policiais em todo o país se tornou mais um impasse entre o governo federal e os governadores de oposição na área de segurança pública. Publicado no dia 24.12.24, o texto prevê o uso da força e de armas de fogo apenas em último recurso.

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O decreto, norma secundária, ainda afirma que a força só poderá ser utilizada quando outros recursos de “menor intensidade” não forem suficientes. O texto dá diretrizes gerais e não especifica os níveis de força que podem ser utilizados pelas polícias. Por isso, o decreto deixa explícito que o Ministério da Justiça fará normas complementares para a execução das medidas do decreto. Ainda se diz que é de responsabilidade do Ministério da Justiça financiar ações, capacitações e desenvolver materiais de referência para a implementação do decreto.

Na lição de José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª edição, pág. 648) “na teoria jurídica, “segurança” assume o sentido geral de garantia, proteção, estabilidade de situação ou pessoal em vários campos dependente do adjetivo que a qualifica.”

Expõe ainda José Afonso da Silva (obra citada, pág. 649) que, segundo a Constituição, a segurança pública é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio através da Policia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Policia Ferroviária, das Polícias Civis, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, consoante dita o artigo 144).

A PEC 372/2017 alterou o inciso XIV do art. 21, o § 4º do art. 32 e o art. 144 da Constituição Federal para criar as polícias penais federal, estaduais e distrital.

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No âmbito da segurança pública e da competência do poder público estadual, verifica-se a existência de dois níveis funcionais policiais bipartidos: 1.º a polícia administrativa da ordem pública é a que realiza a prevenção e a repressão imediata, atuando individual ou coletivamente. 2.º a polícia judiciária é a que apura as infrações pessoais e auxilia o Poder Judiciário, realizando a repressão mediata, atuando individualmente.

À polícia federal compete, na área específica do tráfico ilícito de entorpecentes, contrabando e descaminho, bem como no exercício das funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras atuar preventivamente, promovendo, na eventual ruptura da ordem pública, a sua imediata restauração, inclusive, se for o caso, atuando repressivamente. Além disso atua de forma mediata e repressiva (após a ocorrência de infração penal contra a ordem política e social ou aquelas perpetradas em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei), bem como exerce as funções de polícia judiciária da União, como abordou Antônio Carlos Carballo Blanco.

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) é uma das principais instituições de segurança pública do Brasil, responsável pela fiscalização e policiamento das rodovias federais.

As polícias rodoviárias estaduais são agentes dos DERs e atuam na fiscalização das rodovias estaduais.

As polícias rodoviária e ferroviária federais atuam, mediante a ação de patrulhamento na fiscalização das rodovias e ferrovias federais, respectivamente.

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Com a criação das polícias penais federal, estaduais e distrital a intenção foi liberar as polícias civil e militar das atividades de guarda e escolta de presos, ou seja, haverá uma polícia especializada para cuidar das unidades prisionais, mais uma ferramenta do Estado contra o crime organizado e também mais ressocialização do interno.

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As polícias civis, ressalvada a competência da polícia federal, atuam de forma mediata e repressiva (após a ocorrência de infração penal, exceto as militares), bem como exercem as funções de polícia judiciária. As polícias militares realizam o trabalho de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, exercendo, em sua plenitude o desenvolvimento das fases do poder de polícia do Estado. As polícias militares atuam preventivamente, promovendo, na eventual ruptura da ordem pública, a sua imediata restauração, inclusive, se for o caso, atuando repressivamente (Antônio Carlos Carballo Blanco).

No contexto de segurança pública estar-se-ia adequando as policias às condições e exigências de uma sociedade democrática, aperfeiçoando-se a formação profissional e orientação para obediência aos preceitos legais de respeito aos direitos do cidadão, independentemente de sua condição social.

Passaram-se mais de 35 anos da promulgação a Constituição e o tema da segurança pública hoje é daqueles que mais afligem à população.

Segundo o portal BRASIL PARALELO, em publicação de 4 de outubro de 2023, “os dados de segurança pública no Brasil são alarmantes. Os números de assassinatos anuais superam os registros de guerras como a Guerra do Vietnã. O brasileiro médio vive constantemente com medo e receio. Das 50 cidades mais perigosas do mundo, 10 estão no Brasil. Até a Venezuela perde para o Brasil neste ranking.”

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Em 2018, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgou que, em 2017, 63,8 mil pessoas foram assassinadas. Isso representaria 7 pessoas mortas a cada 1 horas no país.

Para Antônio Carlos Carballo Blanco (Sistemas e Funções de Segurança Pública no Brasil) “os indicadores de desenvolvimento da sociedade brasileira, ao longo dos últimos 50 (cinqüenta) anos, demonstram, no âmbito da perspectiva do conflito, algumas condicionantes, desequilíbrios e desigualdades sócio-econômicas, que concorrem, direta ou indiretamente, para o agravamento do atual quadro de fragmentação social, geralmente “protagonizado” pelas taxas e índices de criminalidade e violência. O fluxo migratório para as grandes cidades associado a ocupação desordenada do solo urbano, o desemprego associado a situação de distribuição de renda, o apelo ao consumo aliado as péssimas condições de infraestrutura, equipamentos urbanos e serviços públicos vivenciada pelas comunidades populares que vivem em favelas, as demandas por cidadania associadas ao modelo institucional de distribuição de justiça e prestação jurisdicional são algumas das condicionantes que contribuem para o agravamento da segurança pública e comprometem a estabilidade das instituições democráticas.”

Estabelece o art. 144 da CF: A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Mas, data vênia, essa competência não é comum, seja para editar normas ou a prática de serviços.

A Constituição não designou à União Federal uma competência privativa para estabelecer politicas gerais, diretrizes, gerais com normas gerais enquanto caberia aos Estados e ao Distrito Federal uma competência suplementar em matéria de segurança pública. Daí porque o citado Decreto, extrapolando sua competência, é inconstitucional.

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Quanto ao sistema de execução de serviço, destaca, outrossim, José Afonso da Silva(obra citada, pág. 415) que há o sistema imediato, segundo o qual a União e os Estados mantêm, cada qual, sua própria administração, com funcionários próprios. independentes uns dos outros e subordinados aos respectivos, governos, como nos Estados unidos, Argentina, no México.

O sistema brasileiro é de execução imediata. União, Estados, Distrito Federal e Municípios mantém, cada qual, seu corpo de servidores públicos, destinados a executar serviços das respectivas administrações, como se observa da leitura dos artigos 37 a 39.

Dir-se-ia que o decreto editado na matéria pela União é orientativo. Data vênia a norma jurídica não tem por desiderato, meramente orientar, mas prescrever. A União Federal não pode prescrever aos demais entes sociais o que fazer em segurança pública, nem como executar esses serviços. Aqui, não há primazia da União com relação a edição de normas gerais. Tudo isso a pretexto de que uma unidade federativa, Estado ou Distrito Federal, receba, se cumprir o decreto, verbas federais.

A Constituição, porém, incumbe à lei complementar, norma primária, fixar normas para cooperação, entre essas entidades federativas, tendo em vista o equilíbrio no âmbito nacional da segurança pública.

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Rogério Tadeu Romano
Procurador regional da República aposentado, professor de Processo Penal e Direito Penal e advogado. Foto: Arquivo pessoal
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