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Opinião | Uma história singular

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convidado
Por José Renato Nalini*

A caçula de um casal que teve dois casais de filhos permaneceu na solteirice, a cuidar da mãe viúva. Esta, professora durante toda a vida, foi quem sustentou a família durante o longo tratamento do marido, acometido de tuberculose.

José Renato Nalini Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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Já perto dos quarenta anos, assídua à missa da Igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, notou que um homem a fitava com insistência. Não deu importância, mas a observação atenta – e à distância – persistiu durante bom período, o que a intrigava.

Um dia, ao chegar em casa, viu que sua mãe recebera a visita daquele senhor, que entregou a ela os autos de um processo-crime. Ele fora réu de um homicídio, perpetrado contra mulher com quem se relacionara afetivamente. Sempre pugnou por sua inocência.

Para não ser preso em flagrante, refugiara-se na fazenda de um amigo em Mato Grosso e, durante o sono, recebeu a visita de uma linda mulher, que entendeu só poderia ser Nossa Senhora. Ela lhe prometeu absolvição, até porque era inocente.

O processo junto ao Júri atraiu a atenção de toda a cidade naquele tempo, até porque ele era milionário. Contratou os melhores advogados e foi, efetivamente, absolvido. Em gratidão, incumbiu artista plástico seu amigo de retratar a aparição benfazeja, que lhe anunciara a vitória junto à Justiça humana.

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Tornou-se devoto de Nossa Senhora, a ponto de voltar aos sacramentos. Assistia as missas junto a um templo sob invocação da Virgem, próximo à sua casa. Em todas as missas, naquele horário, via aquela moça delicada para com sua mãe. Tomou-se de amores e resolveu tomar coragem. Só iniciaria um romance, caso passasse pela aprovação da futura sogra. Facultou-lhe, portanto, a leitura dos autos do homicídio.

Dona Regina Miranda Brant de Carvalho– esse o nome da mãe – leu o processo com toda atenção. Ele era de fato inocente. Aprovou o namoro. Sobreveio um casamento não prolongado, mas feliz. Ela foi esposa muito carinhosa e dele tomou conta até o fim. Theotônio Pizza Lara, o “Tozinho”, foi muito feliz em seu casamento.

Tornou-se viúva e rica. Proprietária de inúmeras fazendas, além de imóveis e de um cavalo puro-sangue, o Zenabre, cuja cobertura propiciava o sustento da casa durante mais de um ano.

Conviveu na alta sociedade. Foi amiga de governadores. Era íntima de alguns deles, como Paulo Egydio Martins. Chegou a adverti-lo, durante um leilão de cavalos na Fazenda de Rubico de Carvalho, em Barretos, por levantar poeira quando chegou em helicóptero.

Promoveu festas. Gostava de receber bem. Nas férias, recebia em sua fazenda preferida, as famílias inteiras dos presumíveis herdeiros, que iam crescendo com casamentos e proles.

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Sem filhos, devotou-se aos sobrinhos. A todos ajudou e mais de uma vez. Um sobrinho do lado do marido chegou a atormentá-la, pois era estroinas, exótico e, passando por louco, promovia todo tipo de bizarrices dispendiosas. Dizia, como blague: “Ou caso com a viúva, ou a mato!”. Ela retrucava: nem uma coisa, nem outra!

Eram muitos os sobrinhos. E a fortuna foi-se esvaindo. Das nove grandes fazendas, restou apenas uma. Também foi vendida. A prodigalidade cobra preço elevado a quem a cultiva. Também foi vítima de sua ingenuidade e da esperteza de quem se propôs a fazer aplicações milionárias e dilapidou seus recursos financeiros.

Viu-se obrigada a se desfazer das joias, das obras de arte, de móveis de estilo e, antes disso, já se desfizera dos imóveis. Mas continuou a socorrer os filhos que não teve, até o último tostão. Em relação a ela, poderia valer o dito popular de que “se Deus não manda filhos, o diabo manda sobrinhos”...

Não lhe faltou carinho, contudo.

Foi um sobrinho, o caçula de sua irmã, que a acompanhou até o fim. Na vulnerabilidade anunciadora da finitude. Faltando-lhe forças e saúde, vieram as inevitáveis internações. Até que faleceu, aos cento e dois anos, na noite de 4 de setembro de 2023.

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Sylvia Brant Piza de Lara, ou Sylvia Brant de Carvalho, como foi lembrada na missa de sétimo dia, teve uma vida muito singular. A riqueza material, esta desapareceu com ela. A riqueza do convívio, a generosidade desmedida, o amor com que envolveu os sobrinhos, tudo isso deve ter aplainado o seu caminho para o aconchego da glória eternal.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras

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