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Opinião | Uma política carcerária com visão de cidadania: entenda por que essa conta não fecha

O fortalecimento da participação política de pessoas privadas de liberdade provisoriamente é um convite à reflexão coletiva sobre o papel da democracia em abarcar todas as vozes. Trata-se de uma oportunidade para ressignificar o conceito de cidadania, ampliando o alcance dos direitos políticos e reafirmando o compromisso do Brasil com um futuro mais igualitário

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Por Arthur Richardisson, Kátia Abreu e Pierpaolo Cruz Bottini

Segundo dados do Relatório de Informações Penais (Relipen), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), o Brasil atualmente tem um déficit de 174.436 vagas no sistema carcerário e conta com uma população carcerária no total de 663.906 presos, enquanto a capacidade das celas físicas é de 488.951 vagas. A conta não fecha.

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Analisando de maneira mais detalhada, quase a totalidade dos presos é de homens, com 634.617 encarcerados. Já a população feminina soma 28.770 presas, das quais 212 são gestantes e 117 lactantes. o relatório também mostra que 119 filhos de presas estão nas unidades prisionais.

Atualmente, São Paulo é o estado com o maior número de presos, contando com aproximadamente 200 mil encarcerados. Se seguirmos para as outras posições do ranking temos Minas Gerais com 65.545; Rio de Janeiro, com 47.331; Paraná, com 41.612 e Rio Grande do Sul, com 35.721. Os estados com o menor número de presos são: Amapá, com 2.867; Roraima, com 3.126; Tocantins, com 3.738; Amazonas, com 5.069; e Alagoas, com 5.194.

No Brasil, o exercício da cidadania é garantido como um direito fundamental pela Constituição Federal. No entanto, ainda existem lacunas no que se refere à inclusão política de pessoas privadas de liberdade provisoriamente. É nesse contexto que foi instituído recentemente Grupo de Trabalho (GT) pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) com o objetivo de elaborar diretrizes que assegurem o direito ao voto para essa população.

O GT tem como foco a elaboração de medidas práticas e normativas que assegurem o direito ao voto de pessoas presas provisoriamente. Essa iniciativa está fundamentada no princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1º da Constituição Federal, e em compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito internacional, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos.

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A privação de liberdade provisória não implica a suspensão dos direitos políticos, como estabelece o artigo 15, inciso III, da Constituição. No entanto, desafios logísticos e administrativos têm historicamente dificultado o exercício do voto por essa população. A importância do tema transcende as fronteiras nacionais.

Decisões de cortes internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, reforçam a necessidade de garantir a participação política de todos os cidadãos, incluindo os que se encontram em situação de privação provisória de liberdade. No Brasil, essa garantia é reforçada por resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, que determinam a instalação de seções eleitorais em estabelecimentos penais e unidades socioeducativas.

A implementação das diretrizes propostas têm o potencial de transformar o cenário político e social brasileiro. Além de garantir o exercício de um direito fundamental, promove a conscientização sobre a cidadania e contribui para a reintegração social de pessoas privadas de liberdade. Esses avanços representam passos importantes na construção de um Estado Democrático de Direito que efetivamente inclua todos os cidadãos.

Embora os fundamentos legais e normativos estejam claros, o desafio prático reside na efetivação dessas medidas. A necessidade de articulação entre o sistema penitenciário, a Justiça Eleitoral e a sociedade civil será fundamental para o sucesso das propostas.

A inclusão política de pessoas privadas de liberdade provisoriamente não é apenas uma questão jurídica, mas um compromisso com a cidadania e a democracia. A concretização dessas diretrizes será um importante legado para a ampliação da participação política no Brasil, reafirmando o direito ao voto como um pilar da dignidade humana e da inclusão social. Afinal, se analisarmos no detalhe, estamos falando de quase 1 milhão de pessoas privadas de sua liberdade, mas não devem ser privadas do seu direito democrático.

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A ampliação do direito ao voto para pessoas privadas de liberdade provisoriamente é mais do que uma medida técnica; trata-se de um marco simbólico para a consolidação da democracia brasileira. A exclusão dessa população do processo eleitoral perpetua uma lógica de marginalização que contradiz os princípios de igualdade e dignidade humana estabelecidos pela Constituição Federal. Garantir que essas pessoas possam exercer sua cidadania, mesmo em condições adversas, é uma forma de reconhecer sua humanidade e estimular a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.

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Além disso, a implementação dessas diretrizes pode impactar positivamente a percepção social acerca do sistema carcerário. A garantia de direitos fundamentais, como o voto, reforça a noção de que a prisão provisória não deve representar um rompimento completo com a sociedade, mas sim uma etapa que, quando respeitados os princípios constitucionais, pode contribuir para a reintegração e reabilitação do indivíduo. Essa abordagem mais humanizada também tem o potencial de influenciar as políticas públicas voltadas ao sistema penitenciário, promovendo mudanças estruturais de longo prazo.

Por fim, o fortalecimento da participação política de pessoas privadas de liberdade provisoriamente é um convite à reflexão coletiva sobre o papel da democracia em abarcar todas as vozes. Trata-se de uma oportunidade para ressignificar o conceito de cidadania, ampliando o alcance dos direitos políticos e reafirmando o compromisso do Brasil com um futuro mais igualitário. Esse debate, embora desafiador, é imprescindível para a construção de um país que realmente cumpra os ideais de justiça e inclusão, refletindo um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

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Arthur Richardisson Evaristo Diniz
Advogado criminalista e presidente do Grupo de Trabalho do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). Foto: Arquivo pessoal
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