Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Uma vereda essencial

PUBLICIDADE

Por Stéfano Ribeiro Ferri
Atualização:
Stéfano Ribeiro Ferri. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O atual estado de coisas é marcado pela insólita transição das relações socioeconômicas que, para Zygmunt Bauman, em seu conceito de modernidade líquida, são definidas pela fragilidade e capacidade de transformação constante, sendo uma consequência intrínseca ao capitalismo globalizado.

PUBLICIDADE

No mundo contemporâneo, a dimensão imaterial do consumo atingiu o paroxismo e, por consequência, faz-se necessário que as empresas adotem uma estratégia direcionada à valorização de ativos intangíveis, de longo prazo e sem substrato físico, como as marcas.

Visando a sobrevivência nesse novo ecossistema de negócios, é imprescindível que os players busquem um equilíbrio entre materialidade e intangibilidade das experiências de consumo, ao passo que o investimento no ativo intangível proporciona vantagem competitiva e seu valor pode ser mensurado pelo comportamento do mercado, agregando valor ao core business da empresa.

Eis o busílis: especificamente em relação à marca, inegável tratar-se de um ativo que agrega valor à empresa, proporciona vantagem competitiva e funciona, pois, como um mecanismo de atração de investimentos - por isso, deve ser revestida de segurança jurídica, por meio de normas que garantam sua registrabilidade e proteção e, por outro lado, reduzam a burocracia, famigerada gaiola de ferro na definição de Max Weber, cujos efeitos deletérios são sentidos há muito pelo setor privado.

Como ensinam Reilly e Schweihs (Valuing intangible assets), a existência de qualquer ativo intangível identificável deve estar vinculada à possibilidade de proteção legal, bem como ao direito de propriedade individual. No Brasil, as marcas são protegidas pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXIX, e pela Lei nº 9.279/96, conhecida como Lei de Propriedade Industrial, visando a garantia do direito individual, o combate à concorrência desleal e a proteção dos consumidores.

Publicidade

Com toda lhaneza, é inegável que a era da tecnologia faz com que as inovações apresentadas ao consumidor tornem-se rapidamente arcaicas. Por consequência, podemos considerar que as normas jurídicas apresentam, invariavelmente, uma dose de obsolescência pelo fato de não acompanharem as transformações sociais.

Como dito anteriormente, a globalização exige mudanças significativas na atuação do Poder Público para que a economia possa se desenvolver; portanto, da velocidade das transformações sociais exsurge a necessidade de respostas rápidas aos conflitos, sempre condizentes com a realidade vivenciada.

É nesse contexto de necessidade de adequação, que foi publicada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a portaria nº 37, de 13 de setembro de 2021 regulamentando a registrabilidade de marcas sob a forma de apresentação "marca de posição", à luz do artigo 122, da Lei de Propriedade Industrial, que dispõe serem suscetíveis de registro como marcas os sinais distintivos visualmente perceptíveis.

Imagine que, em certos casos, o consumidor final acaba identificando um sinal específico aplicado ao produto e entende aquilo como uma marca, como, por exemplo, os solados vermelhos da fabricante de sapatos Christian Loubotin; no mundo, a marca só não conseguiu o registro do sinal característico na China e no Brasil, onde o pedido encontra-se depositado.

A problemática ocasionada pelo vazio normativo até então existente sobre o tema pode ser visualizada pelo ocorrido com a marca Adidas que, malgrado a concessão do pedido de registro das famosas três listras, envolveu-se em um litígio judicial para ver garantida a proteção da marca de posição conhecida mundialmente, dado que o Brasil não possuía uma norma administrativa que regulasse o procedimento - apesar de não proibir -, o que se traduzia em um cenário de grande insegurança jurídica.

Publicidade

Além disso, a concorrência parasitária, além de desenvolver produtos semelhantes a preços mais acessíveis, em muitos casos alegava perante o Poder Judiciário a inexistência de reconhecimento de marcas de posição, por parte do INPI, para assim auferir vantagem às custas de grandes empresas - expediente inaceitável, que certamente é levado em conta pelas organizações ao optarem por investir ou não seus recursos no país.

PUBLICIDADE

Conforme estudo realizado pelo Ministério da Economia, o Custo Brasil, conjunto de ineficiências estruturais, burocráticas, legais e econômicas que atrapalham o desenvolvimento do país é responsável por retirar nada menos que 1,5 trilhão de reais por ano das empresas, o equivalente a 22% do produto interno bruto (PIB).

Por tudo que se demonstrou, iniciativa do INPI, de forma isolada, certamente passa longe de desatar o nó górdio em que a economia está entrelaçada; porém, deve ser vista com bons olhos por adequar aspectos regulatórios que impactam diretamente o setor privado, com base na percepção da garantia de cumprimento das normas jurídicas, aumento de eficiência, melhoria no ambiente de negócios e, consequentemente, atração de investimentos nacionais e estrangeiros.

Cria-se, na verdade, uma nova ferramenta para o desenvolvimento e proteção da atividade inventiva, valorizando o patrimônio intangível das organizações em forma de goodwill, além de trazer a tão sonhada previsibilidade das decisões judiciais e abrir caminho para o crescimento econômico, uma vereda essencial.

*Stéfano Ribeiro Ferri, sócio-fundador do Ortiz & Ferri Advogados. Pós-graduando em Direito Corporativo pelo Ibmec

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.