Adquirir bens, segurança financeira, prosperidade, todos querem atingir essa meta. E, uma vez conquistada, deve-se garantir que ela seja mantida, ou que aqueles que julgamos merecedores possam compartilhar do fruto do nosso trabalho. Mais acertadamente podemos nos perguntar: como usufruir de maneira proveitosa – e justa – o que foi conquistado?
E então voltamos ao tema já abordado aqui, mas que nunca se esgota: o usufruto. Já tenho comentado bastante acerca do usufruto de imóveis, mas esse instrumento jurídico pode também recair sobre inúmeros outros itens que compõem um patrimônio, de bens móveis a bens imóveis, empresas, ações, dividendos e pertences. E, o que pouca gente sabe, é que há um verdadeiro kit de modalidades de usufruto para dar conta de atender às necessidades e objetivos dos que pretendem compartilhar seus bens. Esse kit de modalidades é importante, pois qualquer usufruto só é válido quando colocado no papel. Promessas apalavradas, mas sem documentação específica que possa ser utilizada juridicamente, não valem muita coisa. Por exemplo, no caso de imóveis o usufruto é discriminado na escritura; para outros bens, pode-se utilizar contratos.
Assim, há inúmeras formas de se disponibilizar um bem para o usufruto de outro.
Acerca do usufruto vitalício, é bom rememorar: como o próprio nome diz, é aquele em que se dispõe um bem em usufruto até o falecimento do beneficiado, o usufrutuário. Eu explico: o proprietário de um imóvel pode doá-lo – aos filhos, parentes, ou a quem quiser – e determinar o usufruto para si. Dessa forma, indica a sucessão do bem, mas ao mesmo tempo garante que esse mesmo imóvel seja utilizado por ele para morar ou compor renda por meio de aluguel ou demais possibilidades, até seu falecimento. Assim, esses que receberam o bem se tornam, na linguagem jurídica, os nu-proprietários; e aquele que era proprietário e doou o imóvel se torna o usufrutuário.
Também se pode indicar um filho como usufrutuário, por exemplo. Dessa forma, ainda que o pai venha a falecer e a sucessão de bens se encaminhe, o filho permanece como usufrutuário. Entretanto, repare: este filho permanece com o direito de usufruir do imóvel, mas pode não ser seu único herdeiro. Se não houver testamento, o processo de sucessão apontará os herdeiros da propriedade do imóvel. O filho perde o direito de usufruir do imóvel? Não! Os herdeiros terão de se submeter à clausula de usufruto, ou seja, não poderão tirar do usufrutuário – nesse exemplo, o filho – a possibilidade de morar, alugar ou dispor do bem como lhe convier, exceto venda, obviamente, até o seu falecimento.
E porque a vida dá muitas voltas, por vezes o usufruto temporário é mais indicado. Vou usar como exemplo o caso até bem simples, mas chocante, de uma cliente, já relatado em artigo anterior. Em união estável, ela acertou com seu companheiro, por meio de acordo entre as partes, que organizariam seus bens a partir de um regime equivalente ao de separação de bens. Isso significa que os bens não se comunicam. Minha cliente comprou um imóvel. Ela era, portanto, a única proprietária. Apaixonada, preocupada com o futuro do companheiro, acabou por dispor de cláusula de usufruto vitalício em favor dele. Mas ele se apaixonou por outra. Já imaginou o que aconteceu? Sim, ele está morando com a outra na casa da minha cliente. E ela está procurando um imóvel para alugar. Situação das mais complicadas!
O que ela poderia ter feito? O usufruto temporário é aquele em que se estipula um prazo para a sua vigência. Assim, ela poderia ter determinado esse prazo, pelo menos um tempo suficiente para, talvez, descobrir o quanto vitalício, ou não, era o sentimento entre eles. Ou simplesmente, a partir da sua preocupação com o futuro do companheiro, poderia ter feito um testamento legando o imóvel, ou seu usufruto, a ele. Inclusive, quem faz um testamento pode simplesmente anulá-lo. Já o usufruto, não; pelo menos, não é possível que ele se extingua sem a renúncia do usufrutuário.
Há outras palavras que quando acrescidas podem configurar melhor o usufruto, no extenso rol de possibilidades do mundo jurídico. Por exemplo, todos os episódios citados acima – o pai dispôs o imóvel em usufruto para si ou para o filho, a companheira dispôs ao companheiro etc. – se enquadram na denominação do usufruto voluntário. Isso significa que o usufruto foi instituído por livre vontade do proprietário do imóvel e não por uma imposição legal. E mais: as situações mencionadas também se configuram como usufruto convencional, aquele em que a instituição se dá entre pessoas vivas, e não por meio de testamento.
Continuando, há mais um tipo de usufruto que pode perfeitamente caracterizar, mais uma vez, os casos acima: usufruto beneficiário. Por quê? Porque os imóveis foram dispostos ao usufrutuário sem que haja qualquer relação com algum tipo de remuneração, proveniente de negócio ou fato sucedido entre proprietário e usufrutuário.
E então pode acontecer de você se perguntar: Mas será que eu posso remunerar alguém por meio de usufruto?
Sim, você pode, se quiser ou precisar, por meio do usufruto remuneratório. Assim como pode beneficiar vários usufrutuários ao mesmo tempo, providenciando dessa forma um processo sucessório justo – de seu imóvel, empresa ou outros bens - e que renda frutos a todos os que merecem recebê-los.
*Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Doutoranda em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidad de Buenos Aires – UBA. É autora dos livros Herança: Perguntas e Respostas, Família: Perguntas e Respostas e Direito LGBTI: Perguntas e Respostas
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