A Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro determinou que a rede de lojas Pernambucanas pague uma indenização de R$ 30 mil por danos morais a uma ex-funcionária, frequentadora do candomblé, que relatou ter sido alvo de assédio religioso no ambiente de trabalho. A sentença é do juiz André Luiz Amorim Franco, da 17ª Vara do Trabalho do Rio. Ele destacou o ‘dever da empresa de respeitar as escolhas religiosas de seus colaboradores’.
A Pernambucanas afirmou que “repudia todo e qualquer tipo de ato discriminatório, de desrespeito ou ofensa aos valores inegociáveis da companhia”. “A varejista, de origem nordestina, possui uma história de 116 anos com os brasileiros, atuando em todas as regiões do país com equipes plurais e multiculturais, sempre comprometida com a ética, integridade, diversidade, inclusão e respeito a todos.”
No processo, a ex-funcionária, que ocupava o cargo de supervisora, alegou que, após retornar de suas férias, o gerente da loja passou a tratar sua religião ‘com desdém e intolerância’. Testemunhas confirmaram que o superior teria feito ‘comentários pejorativos’ sobre o uso de vestimentas e acessórios típicos do candomblé, solicitando que ela removesse esses itens.
Ainda de acordo com a ação, o gerente teria imposto práticas religiosas católicas no ambiente de trabalho, obrigando os funcionários a participar de rituais e orações em inaugurações da loja, sem considerar a diversidade de crença dos colaboradores.
Diante do contexto relatado e das provas testemunhais, o juiz concluiu que houve, de fato, discriminação religiosa. Na decisão, ele enfatizou a importância do respeito à diversidade religiosa nos locais de trabalho e reforçou que cabe ao empregador assegurar um ambiente inclusivo.
Ao fundamentar sua sentença, o magistrado fez referência aos princípios constitucionais da liberdade religiosa e da dignidade da pessoa humana, previstos na Constituição Federal e na Lei 9.029/95, que proíbe qualquer tipo de discriminação no ambiente corporativo.
O juiz Amorim Franco também mencionou o protocolo de julgamento com perspectiva de gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), indicando a relevância de se adotar uma visão sensível às questões de discriminação e preconceito no ambiente profissional.
“Nosso País foi submetido a um processo de colonização que até hoje contrasta suas ramificações”. destacou o juiz. “Submetidos ao absolutismo europeu, em alguns momentos fomos tratados como mercadoria, onde o valor comercial era o mais importante. Povos originários dizimados, invasão europeia desordenada, criação de impostos e taxas, pilhéria de matéria prima, minerais, riquezas, exploração de escravos e, consequentemente, o preconceito.”
“Dentro desse contexto - prosseguiu o magistrado - e aqui não é privilégio do Brasil, uma gama de discriminações, estruturada, que até hoje deixam marcas profundas em nossa sociedade. Incluído o preconceito (ou até desconhecimento mesmo) às religiões de matrizes africanas – hoje cada vez mais conhecidas, aceitas, respeitadas e adotadas por seus fiéis”, pontuou o magistrado em sua sentença.
Amorim Franco caracterizou as atitudes do gerente como ‘abuso de autoridade, uma vez que o superior se utilizou de sua posição hierárquica para impor sua visão religiosa, desconsiderando a diversidade de crenças da equipe’. “Este caso concreto que ora estudo aponta que o sr. (preposto da ré e chefe da reclamante) não lidou bem com as mudanças de vida que a autora, livremente, resolveu adotar, trocando de religião”, assinalou o juiz.
Para o magistrado, “a estrutura do preconceito veio à lume, com a indisfarçável intolerância religiosa, ferindo frontalmente a dignidade da trabalhadora, que passou a ser constrangida com o ‘novo’ tratamento, além de constranger, via reflexa, todo o ambiente de trabalho”.
Ao fixar a indenização em R$ 30 mil, o juiz levou em conta o impacto emocional sofrido pela colaboradora, “exposta a situações constrangedoras e de preconceito em um espaço no qual, idealmente, deveria sentir-se respeitada e acolhida”.
O valor também considera o porte e poder econômico da varejista, com o intuito de reforçar o caráter punitivo e pedagógico da decisão.
“Considerando a posição econômica da empresa, a intensidade da lesão e sua gravidade, a repercussão da ofensa (intensa e publicizada), o efeito pedagógico, acionando-se os permissivos legais dos artigos 944 e seguintes do Código Civil, a CLT, mais os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, arbitro e fixo o quantum indenizatório moral em R$30 mil”, decidiu o magistrado.
COM A PALAVRA, A PERNAMBUCANAS
A Pernambucanas informa que repudia todo e qualquer tipo de ato discriminatório, de desrespeito ou ofensa aos valores inegociáveis da companhia. A varejista, de origem nordestina, possui uma história de 116 anos com os brasileiros, atuando em todas as regiões do país com equipes plurais e multiculturais, sempre comprometida com a ética, integridade, diversidade, inclusão e respeito a todos.
A empresa ressalta que é signatária do Pacto Global da ONU (Organização das Nações Unidas), e promove iniciativas que auxiliem o alcance dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS), entre eles, a redução das desigualdades.
Nesse sentido, entende que o racismo religioso estrutural reflete preconceitos históricos e, por isso, está comprometida a trabalhar ativamente para desconstruí-los. Um dos caminhos que acredita é o incentivo à educação no ambiente de trabalho.
A companhia possui um curso Antirracismo, que é obrigatório a todos os colaboradores, aplicado por sua Universidade Digital Corporativa. Entre os temas, está a Intolerância Religiosa, que discute e incentiva a reflexão sobre a importância da liberdade de expressão de todas as crenças. Além disso, a empresa possui o Comitê Afroconexão, formado por diversos colaboradores, que tem como missão atuar de forma direta em ações educativas livres de discriminação a toda a empresa.
A Pernambucanas conta ainda com um Canal de Ética, que possibilita a colaboradores, clientes e fornecedores registrarem, anonimamente, uma queixa ao vivenciarem situações consideradas inadequadas, possibilitando à companhia o aprimoramento constante de suas políticas e práticas internas.
Por isso, sobre o caso em questão, a Pernambucanas ressalta que os fatos relatados não refletem as práticas e a cultura da empresa, porém respeita a decisão do judiciário.
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