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Opinião|Variações sobre a civilidade

Se todas as pessoas mostrassem real interesse pela vida de sua cidade, estaríamos todos em estágio civilizatório mais aprimorado. Viveríamos melhor. Não dependeríamos da sorte, ou do azar em que o desinteresse nos arremete, para infelicidade nossa

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convidado
Por José Renato Nalini

Civilidade é um verbete que designa comportamento civil, ou seja, de quem vive em sociedade. Por isso em voga a expressão “sociedade civil”, para designar aquela coletividade que não integra o Poder Público, mas é razão e destino de todas as ações estatais.

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As palavras, como as pessoas, mudam durante o seu trajeto. Quando se verifica o uso da palavra “civilidade” por um moralista como o Marquês de Maricá, pode-se considerar que ele, na verdade, quis várias vezes referir a polidez, os bons modos, a etiqueta vigente à época. O século XIX, que nos legou tantas lições ainda hoje atuais, pois atemporais.

Assim, afirmou que “A civilidade é uma convenção tácita entre os homens de se enganarem reciprocamente com afetada gentileza e benevolência. Somos muito generosos em oferecer por civilidade o que bem sabemos que por civilidade se não há de aceitar. Em pontos de civilidade, o soberbo não paga o que deve, e exige sempre mais do que lhe é devido. A civilidade é muitas vezes a mordaça da verdade. A civilidade é uma impostura indispensável, quando os homens não têm as virtudes que ela afeta, mas os vícios que dissimula”.

“Os que se não prestam a ser lisonjeiros por interesse ou dependência, muitas vezes o são por cortesia e civilidade. Aprovamos algumas vezes em público por medo, interesse ou civilidade, o que internamente reprovamos por dever, consciência ou razão. A civilidade ensina a dissimular para não ofender. Há mentiras que são enobrecidas e autorizadas pela civilidade. A civilidade chega a limar de tal modo os homens, que por fim os deixa, sem cunho nem caráter, lisos e safados”.

“A civilidade, limando e polindo, nos tira a firmeza e solidez. A nudez do amor-próprio é tão indecente e desagradável, que recorremos à civilidade para o vestir, ataviar e fazê-lo tolerável. A mentira, infelizmente, é mais social do que a verdade: a civilidade a enobrece e recomenda. É muito incômoda, ou antes, intolerável, a amizade com pessoas nimiamente cerimoniosas, que fazem alarde de uma civilidade superfina e refinada”.

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“Há muita gente que presume honrar a sua rudeza, grosseria e incivilidade qualificando-as de franqueza, independência e amor da verdade. Os sábios são loucos de uma superior hierarquia intelectual, ordinariamente insociáveis pelo desprezo ou negligência das fórmulas cerimoniosas, que a civilidade tem estabelecido entre os homens em sociedade. A civilidade contribui muito para perpetuar os vícios e defeitos dos homens, fingindo desconhecê-los, ou dissimulando a impressão escandalosa que ocasionam”.

“Acautelai-vos das pessoas de uma requintada civilidade: a genuína benevolência tem uma certa rudeza natural que a legitima. A civilidade encobre ou dissimula o egoísmo. A civilidade e dissimulação são amigas de coração. A civilidade ensina a mentir para não desagradar. A civilidade incomoda e faz mentir a todos. A civilidade tem como as obras de casquinha, o exterior de metal nobre, mas o interior é de cobre. A civilidade, polindo os homens por fora, os deixa broncos por dentro. A civilidade requinta nos que professam menos virtudes, porque as supre ou inculca”.

“A civilidade é um verniz que dá lustro aos homens e os faz parecer melhores do que ordinariamente são. A civilidade é tanto mais importante em uma nação, quanto esta é menos ilustrada e moral: é necessário simular virtudes onde as não há ou deixaram de existir. Os homens, para lhes agradarmos, obrigam-nos a mentir; a máxima parte da civilidade são mentiras aprazíveis, de convenção”.

“A virtude tem alguma coisa rude e agreste que a faz desagradável, sem o polimento e verniz que lhe dá a civilidade”.

Verifica-se que Maricá prefere servir-se do termo “civilidade”, como se fora um requinte da educação de berço. Algo como cortesia, polidez, tudo aquilo que, de certa forma, já desapareceu.

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Mas “civilidade” também nos remete às obrigações que o homem civilizado, aquele que adquiriu um certo grau de refinamento na compreensão do mundo, se devote às causas comuns, às causas da cidade, ao civismo e ao patriotismo.

Se todas as pessoas mostrassem real interesse pela vida de sua cidade, estaríamos todos em estágio civilizatório mais aprimorado. Viveríamos melhor. Não dependeríamos da sorte, ou do azar em que o desinteresse nos arremete, para infelicidade nossa. E com riscos para o futuro de nossas crianças.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Iara Morselli/Estadão
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