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Opinião|Variações sobre a gratidão

Napoleão Bonaparte nutria uma versão instigante sobre o tema: são ingratos exatamente aqueles que mais necessitaram de ajuda. Quando recolhido em exílio na Ilha de Santa Helena e alguém dizia que estava sendo criticado, às vezes respondia não se lembrar do bem que fizera a quem viria a execrá-lo

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convidado
Por José Renato Nalini

A gratidão é uma virtude tão rara quanto preciosa. Saber agradecer é um gesto de beleza. Reveste algo de humildade: reconhecer que alguém foi solidário, generoso, parceiro em uma situação de fragilidade.

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Todavia, o que mais se vê é a ingratidão. Napoleão Bonaparte nutria uma versão instigante sobre o tema: são ingratos exatamente aqueles que mais necessitaram de ajuda. Quando recolhido em exílio na Ilha de Santa Helena e alguém dizia que estava sendo criticado, às vezes respondia não se lembrar do bem que fizera a quem viria a execrá-lo. Será que o ingrato se sente inferiorizado ao se recordar de que precisou de ajuda? Só Freud, ou Lacan, o Melanie Klein pode explicar.

Mas, para Maricá, “Há muitos homens que se queixam da ingratidão humana para se inculcarem benfeitores infelizes, ou se dispensarem de ser benfazentes e caridosos. Os soberbos são ordinariamente ingratos: consideram os benefícios como tributos que se lhes devem. O maior benefício ocasiona, de ordinário, a maior ingratidão”.

“Os ingratos pensam minorar ou justificar a sua ingratidão, memorando com frequência os vícios e defeitos dos seus benfeitores. A ingratidão dos povos é mais escandalosa que a das pessoas. A ingratidão faz pressupor vistas de interesse no benfeitor, ou indignidade no beneficiado. É rara a verdadeira gratidão, porque são raros os genuínos benfeitores. Os benfeitores imprudentes fazem beneficiados ingratos”.

“Os sentimentos religiosos de admiração, amor e gratidão para com Deus nos conferem neste mundo uma prelibação da bem-aventurança eterna. Os ingratos tornam-se, por acesso, inimigos dos seus benfeitores. Os povos mais livres são geralmente os mais ingratos. A ingratidão coletiva dos povos é punida pela ordem moral por uma pena igualmente coletiva. Quando os povos enlouquecem, festejam e solenizam os dias de seus maiores desatinos e ingratidões”.

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“A gratidão também é produto do nosso amor-próprio: julgamo-nos desobrigados dos benefícios se nos confessamos agradecidos. Os ingratos se esquecem dos benefícios, mas Deus se lembra dos benfeitores. Sede benfeitores ainda com o risco de fazer ingratos: a genuína beneficência escusa e dispensa a gratidão. Beneficiai o vilão, conhecereis a ingratidão. Os ingratos e traidores são também maus pagadores”.

“A ingratidão descobre o vilão. A retribuição ordinária dos povos pelos maiores benefícios recebidos é a ingratidão. Quem não é grato, menos será pagador exato. Os povos não sabem amar, nem aborrecer e muito menos agradecer. Amor e gratidão à Divindade é suprema felicidade. Conquistai os vossos inimigos com benefícios, e os tereis sujeitos e amigos por gratidão. Os soberbos são também ingratos e invejosos. Nada revela tanto a corrupção, indignidade e vilania das pessoas e povos, como a sua ingratidão para com os seus mais distintos benfeitores”.

“A guerra civil é talvez uma expurgação social, ou expiação de graves erros, ingratidões, injustiças e crimes das nações. A ingratidão desanima e estreita a beneficência. Quando um povo soberanizado se acostumou impunemente ao perjúrio, ingratidão e traição, é dificílimo reduzi-lo à lealdade e obediência às autoridades supremas do Estado: a anarquia é o seu elemento predominante”.

“É necessário que, gozando dos bens e prazeres naturais, reconheçamos que gozamos do mesmo Deus, autor de todos eles, e teremos de mais a mais o delicioso sentimento de gratidão pela sua infinita beneficência. Os ingratos são maus amigos e piores inimigos. A guerra mais útil aos povos é a que se fazem mutuamente os ingratos, traidores, velhacos e ambiciosos”.

“Não sabemos agradecer os benefícios dos governos, mas só queixar-nos dos seus erros e desacertos. A ingratidão dos povos corresponde à extensão dos benefícios recebidos. Os ingratos não medram, a beneficência os repele. A nação mais imoral e corrompida é a que contém mais ingratos, invejosos e traidores. Estranha-se a simplicidade dos príncipes que conspiram contra si próprios, fazendo aliança com os ingratos, traidores, inimigos da ordem e monarquia, e esperando deles a defesa e segurança dos seus tronos e autoridade”.

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“Os príncipes são por vezes ingratos; os povos, são-no sempre. Para os benfeitores imprudentes ou interesseiros, a gratidão dista pouco da aversão. A ingratidão é o vício dos vilões, e repugna as almas nobres”.

Você se considera grato? Já teve alguma experiência com a ingratidão?

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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