Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

‘Veja com sua amiga para ela corrigir essa decisão’; leia diálogos do ‘comércio de sentenças’ no STJ

Conversas entre dois supostos lobistas de decisões judiciais, Andreson Gonçalves e Roberto Zampieri (já falecido), revelam negociações e tratativas com assessores e chefes de gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça que foram afastados na Operação Sisamnes; Estadão tentou contato, via STJ, com servidores além de representantes de Andreson, mas não obteve resposta; Sobre os ministros, o STJ e STF negam envolvimento

PUBLICIDADE

Foto do author Pepita Ortega
Foto do author Fausto Macedo

Ao mandar abrir a Operação Sisamnes no encalço de um lobista de decisões judiciais e de assessores e chefes de gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) por suposto ‘ousado e verdadeiro comércio’ de sentenças na Corte, o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), revelou alguns dos diálogos que a Polícia Federal identificou negociações feitas pelos investigados.

PUBLICIDADE

As conversas mostram as cobranças sobre o pagamento de propinas a servidores do STJ e negociações sobre o prazo para as sentenças negociadas serem assinadas. Algumas revelam que as decisões eram tratadas não como de ministros do STJ, mas sim do assessor do gabinete. Outras indicam que os lobistas negociavam até “corrigir” algumas decisões proferidas.

As mensagens foram trocadas entre Andreson de Oliveira, apontado como lobista de sentenças, e o advogado Roberto Zampieri, o ‘lobista dos tribunais’, assassinado a tiros em dezembro do ano passado em Cuiabá, em Mato Grosso. Andreson foi preso pela Polícia Federal nesta terça-feira, 26, na Operação Sisamnes.

Andeson Gonçalves e Roberto Zampieri, apontados pela PF como lobistas de sentenças Foto: Polícia Federal

A ofensiva ainda mirou três servidores afastados do STJ: Márcio José Toledo Pinto, que foi assessor nos gabinetes das ministras Maria Isabel Gallotti e Fátima Nancy Andrighi; Daimler Alberto de Campos, chefe de gabinete de Gallotti; e Rodrigo Falcão de Oliveira Andrade, chefe de gabinete do ministro Og Fernandes.

A reportagem buscou, via STJ, contato com a defesa dos servidores investigados e um posicionamento dos ministros. Também busca com o escritório da mulher de Andreson, Miran Gonçalves. O espaço está aberto para manifestações.

Publicidade

O Supremo Tribunal Federal diz que, até o momento, não há “elementos sobre o envolvimento de magistrados de tribunais superiores no caso”. O STJ nega a ligação de ministros com o caso e investiga quatro servidores. Sobre a operação, a Corte informou que “não irá se manifestar, pois se trata de uma investigação que tramita sob sigilo no Supremo Tribunal Federal”.

Segundo Zanin, o lobista é o comandante de um ‘verdadeiro e ousado comércio’ de sentenças no STJ. Zampieri foi morto a tiros na frente de seu escritório em Cuiabá no ano passado, mas nem assim escapou da Sisamnes – seu antigo escritório foi alvo de buscas nesta terça, 26.

Em um dos casos estudados pelos investigadores foi possível constatar, cruzando diálogos e decisões judiciais, que o chefe de gabinete de Gallotti enviou para Andreson, em julho de 2020, no ‘e-mail do gabinete’ uma decisão judicial que estava prestes a ser proferida. Segundo a PF, o arquivo correspondia “precisamente” ao despacho dado pela ministra no caso, que atendia aos interesses de Zampieri.

Os diálogos ainda revelam o tom usado pelos lobistas e a visão que os mesmos tinham sobre o esquema de venda de sentenças que estavam operando. “Já estou cansado de ficar sem fazer a nossa correria”, disse Zampieri em um dos diálogos interceptados pela PF. Andreson respondeu: “Eu também amigo”.

Como mostrou o Estadão, o Judiciário enfrenta, desde agosto, uma tempestade de operações sobre venda de sentenças. As suspeitas recaem sobre seis tribunais estaduais e já levaram ao afastamento de 16 desembargadores e sete juízes. A ofensiva que mirou o TJMT e os servidores do STJ é mais um capítulo de tal imbróglio.

Publicidade

Veja a seguir os diálogos reproduzidos no despacho que abriu a Operação Sisamnes.

‘Me ligou agora perguntando dos R$ 50 mil’

Diálogo mantido entre janeiro e fevereiro de 2020

Andreson: Zamp, o Daimler me ligou agora perguntando dos R$50.000,00 que faltam daquele caso da Cátia lá né... e se tá tudo certo pra no dia 14 o cara pagar os outros 150. Como que tá isso aí? E no final do mês aqueles outros 250 seu hein, não esquece também não.

Andreson: “Aroldo diz que ia mandar os 200 na sua conta”.

Zampieri: “Não vai mandar hoje, só segunda. Acabou de me mandar mensagem agora”.

Publicidade

Andreson: “Hoje”

Zampieri: “Eu estou dentro do banco desde as 15 hs”.

Andreson: “E tem o do Daimler também”.

Zampieri: “Filha da mãe”.

Andreson: “Já ligo para Miriam perguntando”.

Publicidade

Andreson: “Ok”

Andreson: “Amigo”

Andreson: “E do Daimler”.

‘Isso não é qualquer um, até a vírgula é igual’

Diálogo mantido em julho de 2020

Andreson: “Pessoal mando essa petição no E-mail do gabinete”

Publicidade

Andreson: “O amigo me falou agora”

Andreson: “Daimler”.

Andreson: “Feito zamp”

Andreson: “Pelo amor de Deus”

Andreson: “Veja o dinheiro”

Publicidade

Andreson: “Aqui resolve Zamp”

Zampieri: “Acabei de ler tudo”

Zampieri: “Parabéns, meu amigo”.

Zampieri: “Isso não é o qualquer um”

Zampieri: “Parabéns”

Publicidade

Andreson: “Até a vírgula é igual”

Andreson: “kkkk”

‘Consegue a decisão até sexta?’

Zampieri: “Você consegue a decisão da Noirumbá até sexta? Abraços”.

Andreson: “Já te ligo aí”. Andreson: “Tô falando com DM”.

Zampieri: “Amanhã te transfiro mais uma parte”.

Publicidade

Zampieri: “Já estou cansado de ficar sem fazer a nossa correria”.

Andreson: “Eu também amigo”.

Andreson: “Hoje falei ao Daimler. Tô agoniado”.

‘Vai confirmar a decisão do Daimler’

Diálogo mantido em abril de 2022

Zampieri: “Andreson, conseguiu conversar com a Ju...?”

Andreson: “Ela tá aqui está ali falando com a Miriam”

Andreson: “Está tudo certo lá com a Juliana”

Andreson: “Ela vai confirmar a decisão do daimler”

Zampieri: “Opa. Que bom! Muito bom!”

‘Veja com sua amiga, pelo amor de Deus’

Diálogo mantido em abril de 2021

Zampieri: “Pode falar? Anderson, veja com sua amiga. Pelo AMOR DE DEUS!!!!!!”.

Andreson: “Já falei Zamp. Já falei hoje.”

Zampieri: “Isso é bom. Alguma novidade?”.

Andreson: “Com a Valesca”.

Zampieri: “No sistema aparece que não foi juntado ainda no processo”.

Andreson: “Hoje falei ao daimler. Tô agoniado”.

‘Veja com sua amiga o que tem que ser feito para ela corrigir essa decisão’

Diálogo mantido em junho de 2021

Zampieri: “Opa. Agora eu To morto meu amigo”

Zampieri: “Por favor veja com sua amiga o que tem que ser feito p ELA CORRIGIR ESSA DECISÃO, se não eu to morto meu amigo”.

Zampieri: “Por favor, passe p ela e veja se pode ser assim. Obrigado”.

Zampieri: “Anderson, por favor dê uma atenção nisso”.

Andreson: “Oi Zamp.”

Zampieri: “Não posso perder esse processo”.

Andreson: “Já falei com a Valesca. Ela bem [sic] amanhã cedo aqui no escritório”.

Zampieri: “Esse é um daqueles casos que a questão não é financeira mas sim a bandidagem e o crime contra uma família. Obrigado”.

Andreson: “Amanhã cedo já organizo com ela. Mas esse assunto é uma fazenda grande lá pelo que ela falou”.

Em áudio, Andreson depois relatou que “Valesca” havia dito que era um “negócio grande, uma fazenda grande em Tangará”, acrescentando que “ela vai falar alguma coisa sobre valor, mas pode deixar que eu te falo”.

Em outubro, Zampieri perguntou para Andreson: “conseguiu conversar com sua amiga”.

Andreson respondeu: “Bom dia, deixa pronto os 200 ela já organizou”.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.