O relatório final da Polícia Federal (PF) sobre o plano para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder, mesmo após a derrota nas eleições de 2022, o põe no centro das articulações golpistas. A PF concluiu que Bolsonaro tinha conhecimento de que seus subordinados estavam arquitetando um golpe de Estado e de que ele participou do plano golpista.
As conclusões da Polícia Federal foram entregues ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em um relatório de 884 páginas.
A PF indiciou Bolsonaro e 36 aliados pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do estado democrático de direito e organização criminosa, o que significa que eles deixam a condição de investigados e passam a ser apontados como autores dos crimes com base nas provas colhidas no inquérito policial.
A lista inclui ex-ministros e auxiliares palacianos, dezenas de militares da ativa e da reserva do Exército e até um padre.
O criminalista Paulo Amador da Cunha Bueno, que representa Bolsonaro, diz que só irá se manifestar quando tiver acesso ao relatório final da Polícia Federal, para fazer “uma manifestação mais segura”.
Veja a lista completa de indiciados e os cargos que ocuparam:
- Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão expulso do Exército, foi preso na investigação sobre fraudes no cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro. A investigação apontou que ele trocou mensagens sobre o plano de golpe;
- Alexandre Castilho Bitencourt da Silva, coronel do Exército, um dos signatários da “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”. O manifesto foi interpretado como um instrumento de pressão a favor do golpe;
- Alexandre Rodrigues Ramagem, ex-presidente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que teria usado a estrutura da instituição para atender a interesses pessoais e políticos do ex-presidente, inclusive com o monitoramento clandestino de desafetos de Bolsonaro;
- Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, teria colocado suas tropas à disposição para Bolsonaro dar início a um golpe de Estado após as eleições;
- Amauri Feres Saad, advogado apontado como autor intelectual da minuta golpista para anular o resultado das eleições de 2022;
- Anderson Gustavo Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública. A PF encontrou na casa dele o rascunho de um decreto para anular o resultado das eleições e instaurar estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral. A defesa do ex-ministro informou que ele só vai se posicionar após ter acesso ao relatório de indiciamento;
- Anderson Lima de Moura, coronel do Exército, também assinou a “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”;
- Angelo Martins Denicoli, major do Exército, teria participado do “núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral”;
- Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Segundo a PF, ele fazia parte de um núcleo de militares que “agiram para influenciar e incitar apoio” ao plano golpista;
- Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel do Exército, acusado de integrar o núcleo que incitava outros militares a aderirem ao golpe;
- Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, engenheiro contratado pelo partido de Bolsonaro para questionar o resultado das eleições;
- Carlos Giovani Delevati Pasini, coronel da reserva do Exército, também assinou a “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”;
- Cleverson Ney Magalhães, coronel e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres, teria apoiado o plano golpista;
- Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, general e ex-chefe do Comandante de Operações Terrestres do Exército;
- Fabrício Moreira de Bastos;
- Filipe Garcia Martins, ex-assessor especial de Assuntos Internacionais da Presidência, apontado como o responsável por entregar a Bolsonaro a minuta golpista para anular o resultado das eleições de 2022;
- Fernando Cerimedo, empresário argentino que fez live sobre urnas eletrônicas. Trabalhou como estrategista na campanha de Javier Milei;
- Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército, que segundo a Polícia Federal participou de monitoramentos clandestinos usando a estruturada Abin;
- Guilherme Marques de Almeida, tenente-coronel do Exército, que teria participado do plano golpista;
- Hélio Ferreira Lima, tenente-coronel do Exército, suspeito de participar do plano golpista;
- Jair Messias Bolsonaro, ex-presidente;
- José Eduardo de Oliveira e Silva, padre apontado como integrante do “núcleo jurídico” do plano de golpe;
- Laercio Vergilio, coronel da reserva do Exército, trocou mensagens sobre o golpe, segundo a PF;
- Marcelo Bormevet, policial federal, foi alvo aa Operação Vigilância Aproximada, que se debruçou sobre o uso da Abin contra desafetos de Bolsonaro;
- Marcelo Costa Câmara, ex-ajudante de ordens da Presidência;
- Mário Fernandes, general da reserva do Exército e ex-secretário executivo da Secretaria Geral da Presidência, apontado como autor do plano “Punhal Verde e Amarelo” para matar o ministro Alexandre de Moraes, o presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin;
- Mauro Cesar Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência;
- Nilton Diniz Rodrigues, general do Exército;
- Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, blogueiro alvo da Operação Tempus Veritatis;
- Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército, enviou um relatório ao Tribunal Superior Eleitoral lançando suspeitas sem provas sobre as eleições de 2022;
- Rafael Martins de Oliveira, coronel do Exército, que teria monitorado Alexandre de Moraes no plano para executar o ministro;
- Ronald Ferreira de Araujo Junior, tenente-coronel do Exército, alvo da Operação Tempus Veritatis;
- Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, tenente-coronel do Exército, também foi alvo da Operação Tempus Veritatis;
- Tércio Arnaud Tomaz, ex-assessor especial de Bolsonaro, considerado um dos pilares do “gabinete do ódio”;
- Valdemar Costa Neto, presidente do Partido Liberal, entrou com representação no TSE pedindo a anulação de parte dos votos nas eleições de 2022;
- Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa e vice na chapa de Bolsonaro na eleição de 2022;
- Wladimir Matos Soares, policial federal, teria repassado informações sobre a segurança de Lula aos golpistas.
O indiciamento da Polícia Federal não vincula a Procuradoria-Geral da República (PGR). A atribuição para apresentar uma denúncia formal cabe ao procurador-geral Paulo Gonet, que ainda vai analisar os documentos.
A investigação sobre o golpe nasceu como um braço do inquérito das milícias digitais, que desdobrou outras apurações, como o caso das fraudes nos cartões de vacina da covid-19 e o desvio de joias do acervo da União.
Veja o que disseram as defesas dos investigados:
O criminalista Paulo Amador da Cunha Bueno, que representa Jair Bolsonaro, diz que só irá se manifestar quando tiver acesso ao relatório final da Polícia Federal, para fazer “uma manifestação mais segura”. Quando o ex-presidente foi intimado a depor no inquérito, em fevereiro, ele se manteve em silêncio. Ao portal “Metrópoles”, nesta quinta, 21, após o indiciamento, Bolsonaro afirmou que “a luta começa na PGR” e que não pode “esperar nada de uma equipe que usa criatividade’.
A defesa do ex-ministro Anderson Torres somente irá se posicionar após ter acesso ao relatório de indiciamento.
Por meio de nota, a defesa de Walter Braga Netto informou que não foi comunicada oficialmente sobre o indiciamento e criticou o que chamou de “indevida difusão de informações relativas a inquéritos, concedidas ‘em primeira mão’ a determinados veículos de imprensa em detrimento do devido acesso às partes diretamente envolvidas e interessadas”. A defesa acrescentou que, por essa razão, aguardará “o recebimento oficial dos elementos informativos para adotar um posicionamento formal e fundamentado”.
Veja o que disse a defesa de Ronald de Araújo Júnior: “À data de hoje, a Polícia Federal informou que, no âmbito da Operação Tempus Veritatis, indiciou 37 pessoas, dentre eles o Tenente-Coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior, pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Embora o relatório final da investigação, ao que se sabe, ainda não tenha sido enviado ao Supremo Tribunal Federal, e tampouco tenha sido oferecida denúncia pela Procuradoria-Geral da República, o indiciamento de Ronald Ferreira de Araújo Júnior não condiz, a toda evidência, com a realidade dos fatos. Militar por vocação, Ronald não participou, a qualquer título, dos supostos crimes investigados, tampouco concorreu, intelectual ou materialmente, para a prática de qualquer conduta voltada à subversão da ordem jurídica do país que sempre procurou dignificar por meio da farda. A defesa, de todo modo, não obstante a conclusão da autoridade policial, confia na análise que será realizada pelo Ministério Público Federal e aguarda o acesso ao relatório da PF para maiores esclarecimentos.”
O advogado Elder Alves da Silva, que representa Alexandre Castilho Bittencourt da Silva, afirmou que continua confiante na completa inocência de seu cliente e que Castilho está à disposição das autoridades “para colaboração com o devido processo legal e constitucional, na certeza de que os fatos serão esclarecidos e sua honra plenamente restabelecida”.
Já os advogados de Alexandre Ramagem e Anderson Torres informaram que irão divulgar uma nota nas próximas horas. Procurados, Mauro Cid e Valdemar Costa Neto optaram por não se manifestar. A reportagem continua em busca de contato com os demais indiciados.
Demóstenes Torres, que defende o almirante Almir Garnier, reiterou a inocência do investigado e disse não ter acessado a íntegra dos autos até o momento.
Já a defesa de Filipe Martins, ex-assessor especial da Presidência no governo Bolsonaro, divulgou a seguinte nota: “A Defesa de Filipe Martins considera risível e juridicamente insustentável o indiciamento de seu cliente, fabricado inteiramente com base em ilações e narrativas fantasiosas — jamais em fatos e evidências concretas. A julgar verdadeiras as informações sobre o teor do indiciamento divulgadas pela imprensa, este caso ilustra o estado alarmante e decadente do Estado de Direito no Brasil, onde o devido processo legal e as garantias fundamentais são continuamente atropelados por motivações meramente políticas. Filipe Martins foi preso com base em um documento apócrifo e não oficial, providenciado exclusivamente por um delator desesperado em busca de benefícios judiciais. Esse documento foi prontamente contraditado por provas oficiais brasileiras e americanas que demonstraram de forma incontestável que a alegada viagem jamais ocorreu. Ainda assim, sua prisão foi mantida por mais de seis meses, desconsiderando todas as evidências de sua inocência. A fabricação dessa viagem, por quem quer que seja, é agora objeto de investigação pelas autoridades americanas a pedido de advogados constituídos pelo Sr. Filipe Martins nos Estados Unidos. Apesar disso, a Polícia Federal insiste em sustentar essa narrativa para indiciá-lo, expondo sua desconexão total com a realidade e o evidente abuso de suas prerrogativas. O relatório da Polícia Federal atingiu um patamar surreal ao afirmar que Filipe Martins “simulou registros” para enganar a própria PF, induzindo-a a acreditar que ele teria ido aos Estados Unidos. É importante relembrar que sua prisão foi decretada com base na alegação de que ele havia deixado o país sem registros, burlando sistemas migratórios brasileiros e norte-americanos. Agora, a narrativa inverte-se completamente: Filipe não teria saído, mas sim “simulado” sua saída. Se isso for verdade, significa que a PF admite ter mantido Filipe preso por seis meses com base em uma mentira que ela própria fabricou — o oposto do que afirma agora. Agrava-se ainda o fato de que nenhuma diligência mínima foi realizada para verificar a autenticidade das alegações antes de ordenar sua prisão. Essa narrativa absurda seria cômica, não fosse trágica. A inocência de Filipe Martins será mais uma vez provada, contra toda e qualquer criatividade autoritária que busque distorcer os fatos e a realidade.”
O jornalista Paulo Figueiredo, que mora nos Estados Unidos, se manifestou em suas redes sociais: “Sinto-me honrado. Aguardo ansiosamente os próximos acontecimentos”, escreveu em tom irônico.
Fernando Cerimedo declarou que “há muitas provas” de que ele não esteve no Planalto “nem antes nem durante o 8 de Janeiro” e afirmou que será necessário um grande esforço para acusá-lo. Cerimedo também prometeu recorrer a tribunais internacionais caso venha a ser condenado.
Veja a nota divulgada pelo advogado Miguel Vidigal, que faz a defesa do padre José Eduardo de Oliveira e Silva:
“Menos de 7 dias depois de dar depoimento à Polícia Federal, o padre José Eduardo de Oliveira e Silva viu seu nome estampado pela mesma PF como um dos indiciados no inquérito da Pet 12.100. Os investigadores que apresentaram o relatório não se furtaram em romper a lei e tratado internacional ao vasculhar conversas e direções espirituais que possuem garantia de sigilo e foram realizadas pelo padre.
Consta que o Ministro Alexandre de Moraes decretou sigilo no referido processo, o que significa que não cabia à Polícia Federal, sem autorização nos autos, do mesmo juiz, fazer declarações ou emitir notas com nomes de indiciados. Houve um descumprimento de ordem judicial.
Como se repete sempre, ordem judicial se cumpre. Portanto, sequer caberia à Polícia Federal sugerir que havia qualquer tipo de autorização direta do Ministro, pois ordem judicial só pode ser modificada por outra ordem judicial, com decisão em regular processo, e não por mera comunicação verbal ou escrita.
O referido descumprimento da ordem judicial é um dos vários abusos cometidos ao longo da investigação.
O padre José Eduardo reitera que jamais participou e nem tem condições técnico-jurídicas de participar de qualquer reunião que visasse o rompimento da Ordem Institucional e do Estado de Direito. Como religioso, vai a Brasília desde o ano de 2013 e sempre atendeu todos aqueles que o procuraram para atendimentos de cunho religioso. Foi exclusivamente neste contexto que se deram as visitas dele a Brasília ao final do ano de 2021 em todas as demais vezes que se dirigiu à Capital do país.”
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